Título: Escritórios invioláveis
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/07/2008, Notas e Informações, p. A3
Pressionado por entidades de advogados, que contam com o apoio de uma influente Frente Parlamentar, o Congresso aprovou, na última sessão antes do recesso, um projeto que altera o artigo 7º do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, considerando inviolável os locais onde trabalham os profissionais do direito. Se o projeto for transformado em lei, não mais poderão ser feitas diligências de busca e apreensão nos escritórios, mesmo que devidamente autorizadas pela Justiça. Além das instalações físicas, a medida retira do alcance de policiais e promotores livros, documentos, arquivos de computador, gravadores, impressoras, correspondência escrita, eletrônica ou telefônica e até mesmo anotações de papel recebidas de clientes ou de terceiros. Esses materiais são classificados como ¿instrumentos de trabalho privativos do advogado¿, não podendo ser utilizados como provas de acusação.
Entidades de promotores e juízes mobilizaram-se para persuadir o presidente da República a vetar o projeto. Lula tem 15 dias úteis para sancionar ou vetar a lei aprovada pelo Congresso. O prazo vence em 12 de agosto, um dia após a data de criação dos cursos jurídicos, reconhecida por lei como ¿o Dia do Advogado¿. A primeira manifestação contra o projeto partiu da Associação dos Juízes Federais (Ajufe) e da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Há uma semana, as duas entidades enviaram uma contundente nota técnica ao Palácio do Planalto, justificando o pedido de veto. ¿O crime ficará substancialmente mais fácil, já que os criminosos poderão fazer uso de escritórios de advocacia para esconder provas do cometimento de seus crimes, tornando-os imunes à ação da Polícia, do Ministério Público Federal e do Poder Judiciário¿, diz a nota.
Para a Ajufe e a ANPR, a ¿blindagem¿ dos escritórios subverte a hierarquia das garantias fundamentais, uma vez que vai além até do próprio resguardo que a Constituição prevê para a intimidade e a residência dos cidadãos. ¿Essa imunidade à investigação não encontra similares na ordem constitucional e legal vigente para nenhum outro ente público ou privado detentor de informações sigilosas de terceiros, como é o caso das instituições financeiras, de saúde, de ensino, de imprensa ou mesmo das casas legislativas¿, conclui a nota técnica enviada a Lula. Outras entidades, como a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que reúne os juízes estaduais, federais e trabalhistas, e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), que representa promotores estaduais e federais, também enviarão memoriais a Lula.
Os advogados reagiram, afirmando que o artigo 133 da Constituição assegura o direito à inviolabilidade da categoria. Eles também prometeram enviar a Lula uma nota técnica justificando a sanção da lei. ¿Não se trata de um habeas-corpus preventivo para que o advogado cometa crime¿, afirma o presidente do Conselho Federal da OAB, Cezar Britto. Ele comparou os direitos assegurados à sua corporação com as prerrogativas dos juízes. ¿Querer revogar o direito de defesa sob a ótica de que alguns advogados cometem deslizes éticos é o mesmo que querer acabar com a vitaliciedade da magistratura só porque alguns magistrados compactuam com a corrupção¿, diz Britto. Segundo ele, a OAB tem sido rigorosa na fiscalização de advogados que ferem o código de ética da entidade.
Essa polêmica começou há três anos, quando a Polícia Federal executou, com grande estardalhaço, mandados de busca e apreensão em importantes escritórios de advogados. Na Operação Monte Éden foram presas 24 pessoas, entre advogados e clientes. Desde então, a OAB mobilizou seu lobby para pressionar o Congresso a aprovar o projeto que tanta discussão vem causando.
O problema é que a medida proposta pela OAB, além de inconstitucional, vai muito além do razoável. Promotores e juízes têm razão quando afirmam que a ¿blindagem¿ dos escritórios dificulta investigações e favorece os advogados que são cúmplices do crime organizado. As prerrogativas dos advogados são mais do que privilégios profissionais. São uma garantia inerente ao Estado de Direito. Mas não pode prosperar um projeto que converte os escritórios de advocacia em espaços livres de investigação policial.