Título: Fiasco provocará guerras comerciais, dizem analistas
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/07/2008, Economia, p. B5

Expectativa é de que número de contenciosos na própria OMC dispare

O fracasso da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) deverá fazer com que o número de disputas comerciais se prolifere nos próximos anos, diante da falta de perspectiva de um acordo que estipule novas regras para o sistema multilateral.

O Brasil seguirá com o pedido de retaliação contra os Estados Unidos no caso do algodão e deverá abrir um processo contra a sobretaxa imposta ao etanol, além de usar, sempre que ver necessidade, os mecanismos da OMC para contestar leis de outros países.

Outros governos também indicaram ontem que vão retomar guerras que pareciam solucionadas quando houve um pré-acordo em Doha. ¿As pessoas têm mágoas e vão encontrar outros caminhos para tentar solucionar seus problemas¿, admitiu o chanceler Celso Amorim.

A primeira disputa deverá ser a retomada, com força total, do pedido para retaliar os Estados Unidos em US$ 4 bilhões por não cumprir as determinações da OMC de cancelar os subsídios ilegais aos produtores de algodão.

Até ontem, a expectativa do Brasil e dos Estados Unidos era de alcançar uma solução pacífica no bojo do acordo da OMC, que evitasse sanções, algo que, na avaliação da diplomacia brasileira, traz perdas para ambos os lados, ao reduzir o intercâmbio. Nos últimos dias, porém, Washington não deu nenhum sinal de que faria um movimento nesse sentido. Amorim deixou claro que isso foi um fator preocupante em todo o processo. ¿Não recebemos qualquer indicação¿, disse.

Para André Nassar, diretor-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), não haverá como o Itamaraty escapar de retaliar os Estados Unidos, se a arbitragem da OMC conceder esse direito ao País, como reparação pelo fato de o governo americano não ter mudado suas políticas de subsídios ao algodão.

Outra disputa do Brasil é sobre 80 programas de subsídios americanos, inclusive para o etanol. O caso havia sido lançado com o Canadá, mas acabou posto de lado para ver o que ocorreria na Rodada Doha. Com o fracasso, essa disputa deve ser retomada.

O Brasil também deve contestar a taxa cobrada pelos Estados Unidos sobre a importação de etanol brasileiro, que considera ilegal. Amorim chegou a sugerir que um acordo seria a forma ¿mais inteligente¿ de solucionar o problema. Agora, com a crise, a única saída para o País seria acionar os tribunais.

ESPERANÇA

O setor privado brasileiro estima que a queixa contra os americanos ocorra já em setembro. A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) antecipou que deverá demandar ao Itamaraty a apresentação da queixa. Há, ainda, a possibilidade de o Brasil iniciar uma briga contra a política de Washington de proteção ao seu mercado açucareiro.

Outra disputa que deve ser retomada é a do comércio de bananas entre Europa e América Latina. Nos últimos dias, um acerto foi fechado, considerado ¿histórico¿ por Amorim. Mas, com o fracasso da Rodada, foi desconsiderado.

O Equador, que luta há 16 anos por isso, já avisou que voltará aos tribunais. O comissário de Comércio da União Européia (UE), Peter Mandelson, admitiu que já previa que o caso voltaria aos tribunais.

O ex-chanceler Celso Lafer, entretanto, prefere apostar em uma última tentativa de resgate da Rodada Doha em setembro, como resultado de consultas informais que certamente continuarão na agenda dos ministros de Comércio.

¿A diferença de posições não é tão grande para acabar com a esperança em um acordo. Esse revés atrapalha a importância da OMC no plano internacional e deve estressar o seu sistema de solução de controvérsias¿, avaliou Lafer.

COLABOROU DENISE CHRISPIM MARIN