Título: O Ibama contra Angra 3
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Fonte: O Estado de São Paulo, 26/07/2008, Notas e Infromações, p. A3

Das 60 exigências feitas pelo Ibama para a concessão da licença ambiental prévia para a construção da Usina Nuclear Angra 3, uma é a que verdadeiramente importa - pois pode inviabilizar a obra. Como anunciou o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, uma condição imposta pelo Ibama para a expedição da licença ambiental definitiva é a apresentação, pela Eletronuclear, a estatal responsável pelas usinas nucleares, de um projeto de destino final e seguro para os rejeitos nucleares de Angra 3, diferente do método utilizado nas Usinas Angra 1 e 2. No entanto, nem o ministro, nem o Ibama, nem ninguém no mundo sabe com precisão qual é a solução definitiva para os rejeitos das usinas nucleares.

O programa energético prevê a operação de Angra 3 em 2014, desde que as obras comecem em setembro próximo. Mas o Ibama só autorizará o início das obras depois de a Eletronuclear apresentar um projeto adequado para a destinação final dos rejeitos. O ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, garantiu que o governo cumprirá as exigências para que o cronograma seja cumprido, mas observou: ¿O ministro Minc nos disse que estão fazendo exigências brutais, e nós estamos fazendo um esforço bestial para atender a essas exigências, pois o Brasil precisa dessa energia e vamos começar a construção.¿

Mesmo que a obra comece no prazo, não há garantia de que, quando concluída, a usina terá autorização da área ambiental para começar a produzir energia. O Ibama condiciona o funcionamento da usina à conclusão do depósito para os rejeitos nucleares. No atual estágio de conhecimento técnico e científico do problema, é uma condição praticamente impossível de ser cumprida.

Os projetos mais avançados de destinação final dos resíduos das usinas nucleares em execução ou em elaboração nos países desenvolvidos que utilizam essa fonte de energia muito mais do que o Brasil só se tornarão realidade depois de 2017 - ou seja, após a data prevista para o início da operação de Angra 3 -, a um custo ainda não inteiramente dimensionado e que pode tornar essas soluções proibitivas para a maioria dos países. Em resumo, o Ibama está exigindo da Eletronuclear o que não existe e, se existisse, poderia ter um custo que o tornaria economicamente inviável.

As autoridades da área ambiental não aceitam a solução adotada para os rejeitos de Angra 1 e 2, mantidos em piscinas especiais com resfriamento e que a Eletronuclear pretende ampliar para receber também o material nuclear a ser descartado por Angra 3, e falam em um depósito final para esses resíduos. Mas não sabem exatamente o que deva ser esse depósito final.

De acordo com diretores da Eletronuclear, apenas dois países, os Estados Unidos e a Suécia, já iniciaram ou estão em vias de iniciar a preparação de depósitos ¿finais¿ para os resíduos. Os EUA utilizarão depósitos subterrâneos com estruturas que contenham o vazamento de radioatividade por milhares de anos. A Suécia planeja construir depósitos submarinos revestidos de argila. A França, que tem 60 reatores em operação, só terá soluções definitivas para seus resíduos em 2025.

A discussão da destinação dos resíduos nucleares envolve outra questão, que pode ter grande impacto econômico no futuro. Parte desse material ainda contém 40% da energia inicial e pode ser reaproveitada no futuro, com a utilização de novas tecnologias que ainda estão sendo desenvolvidas. Por isso, até que seja possível o uso economicamente viável dessas tecnologias, o material deverá ser mantido em ambiente seguro, mas que não impeça o futuro acesso a ele.

Nada disso foi considerado pelo Ibama, com a concordância do ministro, ao impor a exigência para a autorização prévia das obras de Angra 3. Minc fez questão de deixar explícito seu desacordo com a decisão do governo de reiniciar essa obra - paralisada há mais de uma década e que já envolveu investimentos de US$ 750 milhões na compra de equipamentos -, mas garantiu que dará andamento ao projeto. No entanto, concordando com as exigências que chamou de ¿brutais¿, parece querer fazer o contrário do que diz.