Título: Saúde modelo exportação
Autor: Petramale, Clarice
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/08/2008, Espaço Aberto, p. A2

Para ganhar registro e chegar ao mercado um medicamento costuma percorrer longo caminho. No caso de produtos inovadores, desenvolvidos a partir de novas moléculas, esse processo pode levar mais de uma década, passando por testes em laboratório e pesquisas clínicas - aquelas feitas com seres humanos. Mesmo com os mais rigorosos controles de linha de produção, falhas podem ocorrer, tanto no decorrer do processo produtivo como durante o transporte ou quando o medicamento já está na unidade de saúde. Esta é uma característica do processo industrial: não há sistema produtivo à prova de erros.

Recente notícia do jornal The New York Times publicada no Estado de 24/5 discorre sobre a Iniciativa Sentinela, que o Food and Drug Administration (FDA) - o departamento norte-americano responsável pelo controle de alimentos e medicamentos - lança a partir deste ano. O objetivo do FDA é estabelecer a vigilância de pós-mercado dos produtos de interesse para a saúde nos EUA e detectar precocemente eventos adversos relacionados a eles. Essa iniciativa aponta para uma solução capaz de acompanhar o desempenho dos produtos que já estão em uso e mostra que o Brasil fez a opção correta na estratégia de monitoramento no mercado nacional.

Para ampliar e sistematizar a vigilância de medicamentos e produtos para a saúde nas redes de saúde pública e privada do País a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) criou, em 2001, o Projeto Hospitais Sentinela - a estratégia brasileira para a vigilância de pós-comercialização de produtos.

Esse projeto inovador tem suscitado interesse de diversos países com os quais a Anvisa mantém programas de cooperação internacional. Entre as mais recentes Iniciativas Sentinela, destaca-se a do FDA, que segue o caminho preconizado pela Anvisa. Esta é uma boa notícia para o Brasil. O FDA sempre foi tido como um modelo a ser seguido na área de regulação de medicamentos e outros produtos. Vê-lo adotando uma medida criada por uma agência reguladora brasileira mostra que o País tem tido acertos no campo da regulação da saúde.

O modelo clássico de agência reguladora, estabelecido pelo FDA há cerca de 50 anos, é realidade em grande parte dos países. Tem como base o recebimento de notificações dos próprios fabricantes quanto a eventos adversos e inadequações de qualquer tipo em seus produtos. No Brasil, a Anvisa formou uma rede de 210 hospitais, cujos profissionais estão capacitados para fornecer informação qualificada e isenta de conflitos de interesses sobre a qualidade e a segurança dos produtos usados em seus serviços.

As notificações, que já passam de 25 mil, são armazenadas no banco de dados Notivisa, gerenciado pela Anvisa. São diversos os produtos que já foram retirados do mercado ou tiveram seus projetos modificados por apresentarem problemas notificados pelo Projeto Sentinela: ventiladores pulmonares, soluções para higienização das mãos e aparelhos de hemodiálise, entre outros. Esse tipo de ação recebe o nome de vigilância sanitária pós-mercado, pois focaliza o produto quando ele já saiu da indústria, passou pelo comércio e chegou ao seu destino final: a unidade de saúde.

Ser aprovado pela vigilância de pós-comercialização é a verdadeira prova de fogo para os medicamentos e demais tecnologias aplicadas à saúde. Os estudos clínicos feitos na fase de pré-comercialização são realizados com um número restrito de pacientes, por isso os eventos adversos raros ou muito raros podem não ser evidenciados nesta fase. O uso em larga escala é que vai oferecer a informação complementar para estabelecer se um novo medicamento ou uma nova tecnologia são realmente seguros e eficazes, na prática.

Para garantir a qualidade das análises e notificações realizadas o projeto Hospitais Sentinela trabalha em duas vertentes: a primeira estimula a busca ativa de eventos adversos e não-conformidades relacionados ao uso de tecnologias aplicadas ao atendimento hospitalar; a segunda sensibiliza e capacita equipes dos hospitais da rede para a utilização apropriada e racional dessas tecnologias, com foco na prevenção e no controle de riscos decorrentes desses tratamentos.

Assim, o projeto tem trazido grandes ganhos não só para a Anvisa, mas também para os hospitais participantes da rede, que profissionalizaram seu relacionamento com fabricantes e fornecedores. Ganha-se tempo e dinheiro, já que o atendimento dos problemas encontrados é tratado com prioridade.

A iniciativa genuinamente brasileira tem sido apresentada em diversos congressos nacionais e internacionais como uma experiência inovadora, aplicável a países desenvolvidos e também em desenvolvimento, por conta da excelente relação custo-benefício apresentada. Exemplo disso pode ser visto na boa receptividade que o programa teve nos últimos três encontros anuais de Avaliação em Tecnologias de Saúde, realizados na Itália, Austrália e Espanha.

Observa-se, assim, que os conceitos do Projeto Sentinela têm trazido bons resultados para a vigilância de produtos de saúde e para a qualidade da atenção hospitalar no Brasil. A incorporação de seus pressupostos por outros países é estímulo para o contínuo aprimoramento da iniciativa, porquanto não deve haver barreiras para a troca de experiências bem-sucedidas entre nações, entidades ou pessoas.

Está em curso acordo de cooperação desse tipo com países de língua portuguesa, Cabo Verde e Moçambique, e, mais recentemente, com o México. O objetivo é a transmissão de tecnologias e metodologias relativas ao Projeto Sentinela. Mais informações sobre o Programa Hospitais Sentinela da Anvisa podem ser acessadas pelo site www.anvisa.gov.br, no link Serviços de Saúde/ Hospitais Sentinela.

Clarice Alegre Petramale, médica infectologista com especialização em saúde pública, coordena a área de Vigilância em Serviços Sentinela da Anvisa