Título: Judiciário deve refutar revisão da anistia
Autor: Recondo, Felipe
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/08/2008, Nacional, p. A6

Celso de Mello, ministro do Supremo, diz que argumento usado em outros países, de que salvo-conduto beneficiou ditadores, não vale para o Brasil

Um dia depois de o ministro da Justiça, Tarso Genro, defender a punição para militares que praticaram a tortura durante o regime militar (1964-1985), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello deu sinais de que a tese não deve prosperar no Judiciário. O argumento principal usado em outros países para rever a anistia - de que o salvo-conduto era concedido por ditadores em benefício próprio - não vale para o Brasil, na avaliação do ministro. No Brasil, disse ele, a Lei de Anistia, de 1979, favoreceu igualmente militares e guerrilheiros de esquerda.

A auto-anistia feita em alguns países é considerada ilegal pela jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, à qual o Brasil está submetido. Nesses casos considerados ilegais, houve autoconcessão de anistia pelos ditadores que estavam prestes a deixar o poder. ¿Será esse o caso brasileiro? A mim não me parece que seja¿, argumentou Celso de Mello.

Na avaliação do ministro, a anistia no Brasil foi concedida aos dois lados na ditadura: militares e militantes de esquerda. Portanto, não se configuraria uma auto-anistia. ¿No caso brasileiro, os destinatários (da anistia) foram todos os que se enquadraram nos requisitos da lei. Não se direcionou neste ou naquele sentido, com a finalidade de beneficiar este ou aquele grupo, muito menos de privilegiar os que usurparam o poder com o golpe de 1964¿, acrescentou.

Além disso, outros ministros do Supremo lembram, ao tratar do assunto, que a palavra ¿anistia¿ significa ¿esquecimento¿, um sinal claro de que não é intenção do tribunal remexer nesse assunto. E adiantam que, se a anistia for revista, os militantes de esquerda também serão atingidos.

Apesar dessas avaliações, os ministros, inclusive Celso de Mello, negam-se a adiantar uma avaliação sobre uma possível alteração na lei pelo Congresso Nacional, porque qualquer que seja a decisão o assunto fatalmente acabará no STF.

Sancionada em 1979, pelo então presidente João Figueiredo, a lei concedeu anistia a todos que cometeram ¿crimes políticos ou conexo com estes¿ e aos que ¿tiveram seus direitos políticos suspensos¿ no período entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.

Em São Paulo, o Ministério Público já moveu ações civis contra dois ex-comandantes do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) - os coronéis reformados do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel. E pode acionar penalmente, em todo o País, militares responsáveis por homicídios e desaparecimentos de militantes políticos.

O entendimento dos procuradores responsáveis pelas ações, ao contrário do que afirma Celso de Mello, é de que a Lei de Anistia beneficiou justamente os militares. ¿Se nós interpretarmos que a Lei de Anistia favoreceu os autores de atos de torturas que eram integrantes do governo, teríamos na verdade uma auto-anistia, porque a lei foi proposta pelo próprio governo que praticou esses atos. Isso é inválido¿, disse Eugênia Fávero, uma das responsáveis pelas ações contra os militares em São Paulo.