Título: O tráfico de drogas não tem voto
Autor: Beraba, Marcelo; Alcântara, José Luiz
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/08/2008, Nacional, p. A16

Prefeito reivindica para si descoberta em 2005 de que milícias se expandiam em favelas e nega que seja simpático à sua atuação

O prefeito Cesar Maia considera uma "falsidade" as acusações de que tenha sido em algum momento simpático às milícias de policiais e ex-policiais que dominam dezenas de favelas do Rio. Ele se diz culpado, no entanto, pela permanência no DEM, seu partido, do deputado estadual Natalino Guimarães, preso acusado de pertencer à milícia Liga da Justiça. "Aí a culpa é minha."

A presença das milícias e do tráfico de drogas na campanha eleitoral em favelas do Rio virou um assunto nacional. Maia reivindica para si a percepção, em 2005, de que elas se expandiam rapidamente em vários pontos da cidade e mandou fazer os primeiros levantamentos sobre a ação dos grupos armados na dominação de territórios. Ele atribui a esse interesse a impressão de que seria simpático às milícias.

Reportagem do jornal inglês Observer no ano passado avaliou que elas teriam o apoio "pouco disfarçado" do prefeito, que chegou a denominá-las de Autodefesas Comunitárias (ADCs), uma referência aos paramilitares da Colômbia. Uma manifestação sua no Ex-Blog de 8 de fevereiro de 2007 - "cuidado para que o patrulhamento da mídia pressionando a polícia e governos sobre as tais milícias não termine fazendo a festa do tráfico de drogas" - também foi interpretada como uma posição condescendente. "Pelo contrário. A milícia é produto do tráfico", afirma ele, nesta entrevista ao Estado.

Há um entendimento de que o senhor em algum momento foi simpático às milícias. O que o senhor acha delas?

Primeiro, é uma falsidade. Em 2005, quando ninguém tinha a menor idéia de que as milícias estavam em expansão no Rio, fiz uma reunião do secretariado, quando duas pessoas apresentaram a dinâmica das milícias e pela primeira vez se ficou sabendo que elas estavam em expansão e não estavam apenas em Jacarepaguá (zona oeste). Continuei acompanhando, fiz o georreferenciamento delas, publiquei onde estavam e quem eram. Fiz também estudos mostrando por que razão elas existem, e aí vem a questão de achar que eu era simpático. Explicar que a entrada delas é uma resposta ao tráfico de drogas, que elas são recepcionadas positivamente pelas comunidades e que a distorção é uma distorção previsível, isso nada tem que ver com apoiar coisíssima nenhuma. Pelo contrário. A milícia é produto do tráfico. Você terá sempre grupos desse tipo enquanto a polícia não der conta do tráfico de drogas. Isso é inevitável. Se o tráfico de drogas é terror, qualquer coisa no lugar do tráfico será bem recebida pela comunidade.

Essa situação ameaça a eleição municipal?

Ela atrapalha a eleição proporcional na medida em que os candidatos não têm mobilidade dentro das comunidades. Mas não afeta rigorosamente nada na eleição majoritária. Estou me referindo, evidentemente, ao Rio. O tráfico de drogas não tem voto. Eles nunca elegeram ninguém. A população não vota em candidato do tráfico. Vota nos candidatos da milícia, que surgem como protetores.

Por que o DEM abriga pessoas como o deputado Natalino Guimarães, preso acusado de pertencer às milícias? Por que o partido levou tanto tempo para expulsá-lo?

Aí a culpa é minha. Em 2002, o que tínhamos de informação era que o Natalino, irmão do Jerominho, era um cantor de música gospel, que era um pastor evangélico e que a presença dele e do irmão no condomínio em Campo Grande era legitimadora. Todos nós aceitamos isso. A campanha eleitoral dele era feita com carro de som e ele cantando música gospel. Assim foi em 2002 e assim foi em 2006. Em 2007, com a prisão do Jerominho (vereador Jerônimo Guimarães Filho, do PMDB e irmão de Natalino) em dezembro, é quando pela primeira vez nós temos a informação de que ele seria associado a operações da polícia mineira. Naquele momento o Rodrigo Maia (filho do prefeito e presidente do DEM) pede que se inicie a expulsão dele, e eu digo que não, porque achava que devíamos tomar muito cuidado e pedir informações à Justiça e à Secretaria de Segurança, e com essas informações nós abriríamos uma comissão de ética. As informações vieram da Justiça e imediatamente o partido constituiu uma relatoria para iniciar o processo de expulsão, quando surgiu a prisão, e o Rodrigo chamou o caso para a Executiva Nacional. Foi um equívoco nosso, meu particularmente, talvez por ter sido preso e ter um medo enorme dessa história de processo sumário.

E em relação ao Nadinho de Rio das Pedras, também acusado de pertencer à milícia?

Pedimos da mesma forma informações sobre ele. A Secretaria de Segurança disse que nada tinha, mas anexou o processo na Justiça. Esse processo é quase vazio, com exceção da troca de telefonemas entre Nadinho e uma pessoa acusada de ter assassinado o inspetor Felix dos Santos Tostes. Apenas trata do número de ligações. Nadinho alega que nunca usaria o próprio telefone se fosse mandante de algo. A comissão de ética do DEM vai se reunir a respeito. Mas o Ministério Público se adiantou e questionou a candidatura. Excelente, porque a própria Justiça Eleitoral vai decidir. O processo do Nadinho tem pouquíssimos elementos. Por isso ficou alguns dias e foi solto, ao contrário do Jerominho. Curiosamente, o PMDB nem sequer abriu comissão de ética nos casos Jerominho e Álvaro Lins, e não é cobrado por isso.

Como o senhor avalia a política de segurança do governador Sérgio Cabral?

Acabou. Ao pedir exoneração do cargo de subsecretário de Segurança, o delegado da Polícia Federal Márcio Derenne disse que o governador sempre deu autonomia para a secretaria e, "se alguma vez o problema da segurança não foi resolvido, não foi por falta de autonomia". Diz nas entrelinhas que a política de segurança não funcionou. Fizeram o cerco no Complexo do Alemão durante quatro meses, com helicópteros, tiros e mortos. Resultado: o tráfico de drogas continua lá dentro. A Força Nacional, entrincheirada na entrada da favela com fuzis e metralhadoras, na prática faz a proteção da facção que está dentro da favela. A partir de agosto eu comecei a dizer: atenção, não há política de segurança. Os delegados e comandantes de batalhões não têm orientação. O que fazem são operações episódicas, tiram meia dúzia de armas, matam meia dúzia de pessoas, pegam uns papelotezinhos e não acontece nada.

O senhor sempre foi a favor da política de confronto. Agora é contra?

Sou até hoje (a favor). Mas o confronto não pode ser uma ação episódica com a expectativa de que vai conseguir desmontar o narcovarejo porque houve um confronto. Tem de partir em primeiro lugar dos números de delitos. Temos 2.500 homicídios dolosos por ano no Rio, aliás decrescente desde 1998, e tem 250 mil roubos e furtos crescentes. É esse elemento básico que leva a população a ter uma percepção gigantesca de insegurança, não são os homicídios. Não há patrulhamento, não há policiamento ostensivo, nada, rigorosamente nada. Porque a área de inteligência acha que está se enfrentando com o crime organizado do tipo italiano, do tipo americano, e não está. Ela está enfrentando o narcovarejo, em que o cara morre e aparece outro no lugar. Estão enxugando gelo.

O senhor chega ao fim do seu terceiro mandato mal avaliado, com 36% de ruim e péssimo ante 23% de ótimo e bom. A que fatores atribui essa avaliação negativa?

Há uma grande concentração dessa avaliação negativa na zona sul do Rio, entre as pessoas de nível de renda mais alto e de nível superior. É uma avaliação muito recente por conta do assassinato do menino João Roberto (dia 6 de julho), quando o governador despencou e eu despenquei. Em 2004 eu fui eleito por maioria absoluta, com a maior votação que já se teve na cidade. Em março de 2005 aconteceu uma brutal intervenção federal na saúde pública do Rio, coincidente com o crescimento que eu tive no Ibope para presidente da República. A intervenção teve uma cobertura do Jornal Nacional inadmissível, 17 dias seguidos, quase uma cobertura da guerra no Iraque. Eu vivo uma situação que não é boa para mim: há muito tempo não tenho oposição. Naturalmente, o que aconteceu foi um meio de comunicação ocupar esse vácuo. O Globo (jornal) promoveu uma série de campanhas, como as de favelização e de desordem urbana. Direito deles, não estou reclamando, estou apenas constatando. Essas duas campanhas tiveram uma enorme repercussão na classe média e como desdobramento a minha avaliação na classe média despencou, principalmente na classe média mais alta. Essa é a razão factual. Quando a gente vai para a zona oeste da cidade não é assim.

Qual a avaliação que o senhor faz do governo Lula?

Depende. Do ponto de vista daquilo que é estrutural e permanente, o Lula é um prefeito do Brasil. As políticas públicas do governo Lula são basicamente políticas públicas de prefeito. E ele realiza essas políticas diretamente em associação com Estados e municípios. Se pegar qualquer outra coisa que não seja isso, o governo Lula é um governo sem projeto, é um governo que não inovou, que não tem estratégia. É um grande prefeito do Brasil. Como prefeito do Brasil com uma conjuntura favorável, ele tem essa avaliação positiva. Não tem o desgaste da economia. É um governo que vai acabar e não vai deixar para o Brasil nenhum tipo de registro de longo prazo.

O que o senhor pretende fazer depois de 1.º de janeiro?

Depende. Eu quero ser senador, se o povo deixar. Rezo para o governo do Sérgio Cabral dar certo. Porque, se não der certo, eu saio para governador, quer eu queira, quer não queira.