Título: Lula propõe aprofundar Mercosul
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/08/2008, Economia, p. B10

Depois do fracasso da Rodada Doha, presidente brasileiro vai sugerir à Argentina que trabalhem pelo bloco

Duas semanas depois de as diplomacias brasileira e argentina baterem cabeça durante as negociação da Rodada Doha, na Organização Mundial do Comércio (OMC), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva leva amanhã a Buenos Aires duas mensagens para enquadrar as relações dos dois países.

Lula vai dizer à presidente Cristina Kirchner que o Brasil não quer a desindustrialização da Argentina, e vai propor o óbvio: que, diante do fracasso para liberalizar o comércio mundial, os dois países cuidem, ao menos, do quintal da própria casa e trabalhem para aprofundar o Mercosul.

Na segunda visita oficial a Cristina Kirchner em apenas seis meses, Lula desembarca com uma comitiva de 200 executivos de empresas brasileiras dispostos a expandir negócios e investimentos no país vizinho.

Com o seminário organizado para promover a integração e o séquito empresarial, Lula espera convencer a opinião pública local de que o Brasil não joga contra a economia da Argentina. E, dos 20 projetos bilaterais acertados na visita de fevereiro passado, o presidente brasileiro deve destacar a intenção de antecipar, para 2010/2011, o cronograma de construção da hidrelétrica binacional de Garabi, no rio Uruguai.

No período de 2002 a 2008, o Brasil tornou-se o terceiro maior investidor estrangeiro no setor produtivo do país vizinho, atrás de Estados Unidos e Espanha. A injeção de recursos somou entre US$ 6,5 bilhões e US$ 8 bilhões e concentrou-se especialmente na construção e ampliação de plantas industriais. O Itamaraty acredita e proporá que poderão alargar esse saldo de investimentos.

A perspectiva de a visita de Lula marcar a fase inicial de adoção do mecanismo de fechamento de câmbio com as moedas locais no comércio bilateral foi suspensa. Ficará para setembro.

A visita de Lula a Cristina Kirchner faz parte de uma agenda de encontros mais freqüentes para tratar de projetos de cooperação e de imbróglios bilaterais. Nos dias 7 e 8 de setembro, a presidente argentina estará em Brasília para novo encontro e para participar, como convidada especial de Lula, das comemorações da Independência.

Em Genebra, nas negociação da OMC, o Brasil aceitou uma liberalização industrial, em troca de pequenas vantagens no setor agrícola, que irritou, e foi rejeitada pelo governo argentino. Nos últimos cinco anos, Brasil e Argentina abandonaram a agenda externa do Mercosul, que se limitou a firmar acordos de preferências tarifárias, de caráter bastante parcial em relação aos de livre comércio, com parceiros do mundo em desenvolvimento.

O naufrágio das negociações, na semana passada, deixou poucas opções de ampliação do acesso dos produtos brasileiros e argentinos nos mercados internacionais, além do recurso natural ao aumento da competitividade.

Há pelo menos três meses, os negociadores brasileiros vinham insistindo na adoção de uma margem de proteção para setores industriais sensíveis de uniões aduaneiras formadas por países em desenvolvimento - o caso do Mercosul. Essa margem seria de 15% do universo tarifário. A medida daria alívio para os setores menos preparados para uma competição mais acirrada no mercado doméstico. Os demais produtos seriam submetidos ao corte de 60% nas suas alíquotas de importação.

A Argentina rejeitou a proposta, por considerá-la pequena demais para acomodar seus setores mais sensíveis e por avaliar que o pacote agrícola obtido não valia tamanha abertura do mercado industrial do Mercosul. A questão continua a provocar desconforto, apesar da argumentação da diplomacia brasileira e dos acenos de expansão dos investimentos do Brasil para a Argentina. Se não for contornada, tenderá a contaminar qualquer agenda externa que o Mercosul venha a adotar.