Título: A blindagem do Pronera
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/08/2008, Notas e infromações, p. A3

Depois de conseguir recursos públicos para custear sua estrutura de ensino por meio de um programa do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Movimento dos Sem-Terra (MST)agora se mobiliza para tentar tornar esse repasse permanente e definitivo. As verbas que recebe para financiar cursos universitários destinados a formar seus quadros são provenientes do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), criado em 1998 por portaria do então ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann, no governo Fernando Henrique Cardoso.

A medida tinha por finalidade ¿ampliar os níveis de escolarização formal dos trabalhadores rurais assentados¿, especialmente nas áreas de alfabetização, ensino fundamental e ensino profissionalizante. A partir do primeiro mandato do presidente Lula, o Pronera mudou de orientação, passando a privilegiar o ensino universitário. E metade de seu orçamento, que passou de R$ 9 milhões, em 2003, para R$ 54 milhões, em 2008, hoje é usada para dar formação superior aos militantes do MST, por meio de cursos especiais, cujos integrantes não são submetidos ao crivo do vestibular das universidades públicas, sendo indicados pelas comunidades rurais com ligação com a reforma agrária.

O problema é que, da mesma forma como se converteu em prioridade do atual governo, o Pronera pode ser relegado para segundo plano. E, como foi criado por portaria ministerial, ele pode ser extinto por meio de outra portaria, no próximo governo. É esse o receio do MST. A entidade tem medo de perder a fonte de recursos no caso de vitória de um candidato da oposição, na sucessão de Lula, em 2010. ¿Um programa desse porte necessita de maior estabilidade jurídica. Um governo que não quer dar muita importância à questão da educação em áreas da reforma agrária pode não revogar o programa, mas matá-lo de inanição, cortando suas verbas¿, diz a coordenadora do Pronera, Clarice dos Santos.

É por isso que o MST quer ¿institucionalizar¿ o programa, transformando-o numa ¿política de Estado¿, por meio de lei ordinária aprovada pelo Congresso. Deste modo, o Pronera teria fonte orçamentária própria e só poderia ser extinto por outra decisão do Legislativo. Enquanto isso, o próximo governo, independentemente de quem venha a ser eleito em 2010, teria de continuar repassando dinheiro público para a entidade. Para a coordenadora do Pronera e para o coordenador nacional do MST, José Batista de Oliveira, a ¿blindagem jurídica¿ do programa seria uma forma de democratização do ensino superior público, por dispensar do vestibular os estudantes egressos de comunidades de assentados.

O MST está correndo contra o tempo. Inicialmente, a idéia era preparar um projeto de lei e encontrar alguns deputados ou senadores que o apresentassem ao Congresso como sendo de sua autoria. Mas a tramitação seria demorada e dificilmente o projeto teria condições de ser votado, aprovado e sancionado ainda no atual governo.

A estratégia do MST é tentar persuadir alguns ministros de Lula a assumir oficialmente a iniciativa de propor a institucionalização do Pronera, uma vez que projetos de lei encaminhados pelo Executivo ao Legislativo podem ter tramitação muito mais rápida do que os projetos de autoria de deputados e senadores. ¿Com isso, poderíamos garantir a permanência desse programa, que tem propiciado aos filhos de trabalhadores rurais oportunidades de ensino em todos os níveis, de técnico agrícola a agrônomo¿, diz o deputado Adão Pretto (PT-RS), vinculado ao MST.

O problema da ¿institucionalização¿ do Pronera é que ele abre caminho para a justaposição de competências e de gastos da União com ensino superior. A responsabilidade pelo setor é do Ministério da Educação, que já destina a maior parte de seu orçamento para as universidades federais. Se o Pronera for ¿institucionalizado¿, seriam mais recursos para a educação superior pública, só que sob responsabilidade do Incra, um órgão do segundo escalão que nada tem a ver com a área de ensino.

E o MST, uma entidade sem personalidade jurídica - e, portanto, irresponsável -, passaria a dispor de uma estrutura de ensino superior, custeada pelo contribuinte.