Título: Em reação a militares, Tarso afirma ter orgulho de sua ficha
Autor: Brandt, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/08/2008, Nacional, p. A4
Ministro da Justiça mantém defesa da tese de que torturadores do regime militar devem ser punidos
O ministro da Justiça, Tarso Genro, disse ontem ter ¿orgulho¿ de sua ficha pregressa ao rebater a iniciativa de militares da reserva, com apoio de comandantes da ativa, de organizar uma contra-ofensiva à sua proposta de debater meios de punição a ¿agentes de Estado¿ que tenham praticado tortura, assassinatos e violações dos direitos humanos durante o regime militar. ¿A minha (ficha) me orgulha.¿
Os militares planejaram uma espécie de anti-seminário em reação à audiência pública patrocinada pelo Ministério da Justiça na semana passada para debater o tema. Eles marcaram um encontro para quinta-feira, no Clube Militar do Rio de Janeiro, conforme divulgou ontem o Estado.
No evento, nomes, fotos e ¿biografias¿ de autoridades do governo Luiz Inácio Lula da Silva e de personalidades do PT com ¿passado terrorista¿ serão apresentados. A lista traz a ficha de Tarso em quinto lugar - ele aparece, com os codinomes Carlos e Rui, como ¿terrorista dos anos 60/70¿, ¿atraído para a luta armada¿, que acabou aderindo ¿à Ala Vermelha¿ e intensificando suas atividades ¿depois do AI-5¿.
O objetivo dos militares é discutir propostas para que os excessos cometidos por guerrilheiros durante a ditadura também sejam punidos.
Ontem, após participar do debate O Brasil e o Estado de Direito, realizado no auditório do Grupo Estado (leia reportagem nas páginas A8 e A9), Tarso afirmou primeiro aos jornalistas que considerava sua participação na discussão ¿interditada¿, pois aguardava uma orientação técnica sobre o caso. Depois, manteve a defesa da tese de que torturadores do regime militar devem ser responsabilizados cível e criminalmente. A defesa foi o estopim que provocou a reação dos militares e até mesmo do ministro da Defesa, Nelson Jobim.
¿Eles (oficiais da reserva) têm direito de fazer a manifestação que fizeram. A minha participação nesse debate está interditada, pois estou aguardando alguma resposta jurídica e técnica sobre isso, pois é uma questão jurídica¿, afirmou Tarso. Logo depois, porém, ressaltou: ¿Em nenhuma legislação, em nenhum tratado internacional, em nenhum país democrático, tortura é considerado crime político.¿
LEVIANA
Tarso criticou ainda aqueles que relacionam sua iniciativa de discutir mudanças na Lei de Anistia com possíveis interesses eleitorais. O nome de Tarso é cogitado como possível candidato do PT à Presidência, em 2010. Ele nega ser candidato.
¿Considero leviana uma informação que circulou em determinada coluna de que levantar esse tema está vinculado a uma questão sucessória¿, declarou o ministro aos jornalistas.
Tarso disse ter dois motivos para isso. Mas acabou listando três: ¿Primeiro, porque não sou candidato a presidente; segundo, porque quem conduz esse processo no nosso meio é o presidente da República, e terceiro porque misturar uma questão dessa seriedade, que é discutida em todo mundo, com questões políticas imediatas é uma ligação absolutamente despropositada e falsa.¿
Petistas como o deputado Jilmar Tatto (PT-SP) e Cândido Vaccarezza (PT-SP) criticaram a decisão de Tarso de entrar em confronto aberto com as Forças Armadas - e a admitiram como uma possibilidade de se colocar como pré-candidato à Presidência dentro do PT.
IRRITAÇÃO
A defesa de Tarso de uma alternativa para que agentes do Estado sejam punidos cível e criminalmente por tortura durante o regime militar irritou diretamente o ministro da Defesa. Jobim fez questão de ressaltar que ¿a análise dos fatos que estão sendo levantados por Tarso cabe exclusivamente ao Judiciário¿ e nada tem que ver com o Executivo.
Ele teve de pessoalmente acalmar comandantes das Forças Armadas. Até o momento, eles não encamparam oficialmente o movimento dos militares da reserva, mas já apóiam nos bastidores o movimento de listar os guerrilheiros.
O advogado constitucionalista Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, saiu ontem em defesa de Tarso e afirmou que é ¿absolutamente constitucional a interpretação do ministro de que os crimes de tortura praticados durante o regime militar devem ser julgados¿.
¿A Constituição de 1988 teve o caráter de fundar um novo regime jurídico e estabelece princípios muitas vezes retroativos. Foi o que ocorreu na Alemanha do pós-guerra, por exemplo. E realmente a Lei de Anistia não pode ser interpretada de forma a alcançar crimes não-políticos e de lesão à humanidade, como o de tortura¿, defendeu o advogado.
Defensor da iniciativa de Tarso, Serrano diz, no entanto, que ¿mais relevante do que punir agentes é identificá-los¿. ¿Indenizações a torturados e ofendidos são necessárias, mas não devem servir como arrimo para jogarmos nossa história para debaixo do tapete.¿