Título: Vou continuar teimando, diz Lula sobre Doha
Autor: Marin, Denise Chrispim; Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/08/2008, Economia, p. B5

Mas presidente não obtém sinais de entendimento com a Argentina para a retomada das negociações

Em visita oficial à Argentina, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou ontem, diante de uma platéia de cerca de mil empresários brasileiros e argentinos, que insistirá na retomada das negociações da Rodada Doha. As discussões sobre o novo acordo da Organização Mundial do Comércio (OMC) chegaram a um colapso na semana passada, em Genebra. Lula, entretanto, não conseguiu da presidente argentina, Cristina Kirchner, nenhum sinal de abrandamento das divergências sobre a abertura do mercado industrial nas negociações da Rodada Doha e do Mercosul.

¿Eu não estou desanimado. Quero dizer a vocês que ainda vou continuar teimando para ver se construímos uma saída¿, disse Lula, a apenas três dias da tentativa de sensibilizar o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, sobre a necessidade de retomar as negociações multilaterais de comércio.

¿Se nós não concluirmos o acordo de Doha, pode ser que o Brasil e a Argentina não sofram tanto. Mas os países mais pobres, que têm de ser incentivados a produzir alimentos e, para isso, precisam ter o mercado aberto dos países ricos, não irão produzir alimentos e continuarão a passar fome. E no mundo rico haverá legislação mais dura para proibir o trânsito das pessoas mais pobres, criando mais dificuldades para a imigração¿, disse Lula, em seu improviso na abertura do Encontro Empresarial Brasil-Argentina.

Evidenciado nos momentos cruciais das negociações de Genebra, o impasse entre Brasil e Argentina sobre a oferta de abertura de mercado industrial não tende a ser um entrave apenas na hipótese de retomada das negociações da Rodada Doha. Essas divergências deverão minar as alternativas do Mercosul ao fracasso total da Rodada, ou seja, as discussões sobre acordos comerciais com países desenvolvidos, a começar pela União Européia.

¿A frustração da Rodada Doha exige que multipliquemos, em outros tabuleiros (de negociações), nossos esforços. A Argentina e o Brasil podem liderar a resposta do Mercosul e da América do Sul a esses desafios. Nossa aliança estratégica é a espinha dorsal desse projeto.¿

Da parte de Cristina Kirchner e sua equipe, não houve sensibilidade ao chamado. No domingo, pouco antes de receber Lula na Base Aérea de Buenos Aires, o chanceler argentino, Jorge Taiana, tentou dar um tom apaziguador à questão, ao afirmar que é preciso convergência de posições. Mas, ontem, os resultados foram nulos.

Em seu discurso, Cristina disse que, ¿distanciados de questões dogmáticas¿, os dois países têm de saber exatamente os valores em barganha nas negociações. A presidente referiu-se, indiretamente, ao acordo agrícola, considerado irrisório pela Argentina em relação aos cortes de subsídios dos EUA e à abertura dos mercados europeu e asiático, para compensar a abertura do mercado industrial do Mercosul.

Na Rodada Doha, o Brasil ofereceu um corte de cerca de 60% nas tarifas de importação de bens industriais, em troca do acordo na área agrícola. E obteve o consentimento dos países mais desenvolvidos à preservação de uma margem de proteção à indústria do Mercosul. Ao salientar que essa exceção não seria suficiente, a Argentina abriu um flanco de divergência com o Brasil

Enquanto o impasse continua, empresários brasileiros deixavam claro a Lula e a seus colegas argentinos que a abertura de mercados se tornou elemento essencial para aumentar a competitividade dos setores produtivos do Mercosul.