Título: Como fica a situação do ficha-suja?
Autor: Scarance, Guilherme
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/08/2008, Nacional, p. A11

Enterrada a possibilidade de barrar os ¿fichas-sujas¿ - candidatos processados -, caberá ao Congresso, pela aprovação de um projeto de lei, e ao eleitor, pela força do voto, banir os candidatos com vida pregressa condenável. A opinião foi defendida ontem pelo presidente da comissão de combate ao nepotismo da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP) e membro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Luciano Pereira Santos, e pelo desembargador aposentado Sebastião Amorim, conselheiro da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), em debate na TV Estadão (www.estadao.com.br).

A seguir, os principais trechos da conversa em torno do futuro dos ¿fichas-sujas¿:

TRÂNSITO EM JULGADO

SEBASTIÃO AMORIM: ¿Só podem ser punidos quando a sentença transita em julgado, isso é, quando não tem mais possibilidade de qualquer recurso. A legislação brasileira, infelizmente, dá ao cidadãos as mais variadas possibilidades de jogar para a frente o trânsito em julgado das decisões. (...) Evidentemente, a presunção de inocência é um postulado de muita lógica, porque ninguém pode ser considerado culpado com apenas um julgamento: daria margem para muitas perseguições.¿

LUCIANO PEREIRA SANTOS: ¿Essa é uma reclamação que a sociedade faz há algum tempo, sobre candidatos que têm ficha-suja e vão manejando recursos e continuam sendo eleitos em diversos cargos, contra o princípio da moralidade. Se você prestar um concurso, qualquer que seja, tem de ter cumprido todos esses requisitos para ser empossado. No caso da eleição, há essa facilidade de poder disputar os cargos enquanto não tiver trânsito em julgado.¿

SEGUNDA INSTÂNCIA

AMORIM: ¿Como fazer que esses políticos sejam impedidos de concorrer? Uma vez condenados em primeira instância, condenados em segunda instância, tenho a impressão de que já bastaria para que impedissem eles de concorrer.¿

SANTOS: ¿Vou concordar com o sr. Amorim sobre o critério para o que é ficha-suja. Se você tem um juiz que não gosta de um determinado político ou então um opositor ajuíza ação contra seu adversário e consegue na primeira instância uma condenação, praticamente baniu aquele adversário da disputa eleitoral. Eu concordaria com o segundo grau de decisão. Por exemplo: em uma cidade houve a condenação, veio para o Tribunal de Justiça e ele manteve a condenação. Isso é válido.¿

CRÍTICAS AO CONGRESSO

SANTOS: ¿A Constituição prevê, no artigo 14, parágrafo 9º, que precisam ser regulamentados outros casos de inelegibilidade, considerando a vida pregressa dos candidatos. Esse é um impasse que existe, por conta da omissão do Legislativo, que tem a obrigação de regulamentar essa questão constitucional que está aí posta. Até pela omissão do Legislativo acaba-se cobrando uma posição do Judiciário que não cabe a ele.¿

AMORIM: ¿O indivíduo está numa CPI, a CPI está para dar uma decisão e ele sabe que vai ser condenado, o que faz? Renuncia. Renunciando, volta tudo à estaca zero e ele pode se candidatar. É um absurdo. Deveria ter um prazo para desistir. Chegando nessa fase, seria julgado. O político esperto espera, recebendo vencimentos...¿

PROJETO CONTRA `FICHA-SUJA¿

SANTOS: ¿O momento político se dá de acordo com a vontade da sociedade. Já conseguimos fazer um projeto de iniciativa popular com mais de 1 milhão de assinaturas. Temos tramitando um projeto do senador Demóstenes Torres que prevê essa regulamentação. Então, são formas de pressionar. O sentimento, o momento político, depende da pressão que a sociedade exerce. A mídia participa e tem grande importância.¿

DIVULGAÇÃO DE LISTAS

AMORIM: ¿É uma questão polêmica. Essa divulgação de listas é muito problemática, porque pode ferir direitos de pessoas que não têm nada que ver com o assunto. Às vezes o indivíduo é inocente e sai numa lista. Eu, particularmente, sou contra isso, mas a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) tomou essa postura. Eu entendo, pessoalmente, que a divulgação de lista não é coisa do Judiciário. Por quê? Nós temos o mesmo problema. Amanhã, entendendo que haja uma lista de juízes, como faremos? Estaremos impedidos de julgar.¿

PAPEL DO ELEITOR

SANTOS: ¿Esse é um papel importante, a participação da sociedade, de cobrança do Legislativo e escolha dos parlamentares. O eleitor tem poder no voto. Sabendo que o candidato tem uma vida pregressa não recomendável, não vota naquele candidato e ele está banido.¿

AMORIM: ¿A informação é a arma do eleitor. E, para haver essa informação, é necessário que a lei permita. Que a lei dê essa possibilidade, os órgãos próprios, talvez até os próprios órgãos do Legislativo possam fazer essa divulgação.¿