Título: Referendo decide futuro de Evo
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/08/2008, Internacional, p. A18

Votação que julga mandato de presidente boliviano e de oito governadores expõe disputa entre duas visões do país

A Bolívia vai hoje às urnas para decidir se o presidente Evo Morales, seu vice, Álvaro Garcia Linera, e oito dos nove governadores do país (seis deles da oposição) permanecem no cargo. Com 54% de apoio nas pesquisas - quando são necessários 46,3% para ratificá-lo no poder - , Evo espera que uma vitória no referendo revogatório dê respaldo para as mudanças que ele pretende fazer na Bolívia: avançar no programa de nacionalizações e na redistribuição de terras, ampliar o direito da maioria indígena e aumentar o controle do Estado sobre a economia.

A própria pergunta na cédula da consulta não esconde a intenção do líder boliviano de fazer da votação um plebiscito sobre seu governo. Em vez de responder ¿sim¿ ou ¿não¿ à permanência de Evo, os eleitores se depararão hoje com a questão: Você está de acordo com a continuidade do processo de mudança liderado pelo presidente?

Na prática, porém, analistas apontam que, qualquer que seja o resultado, o referendo estará longe de representar um ponto final na disputa entre o governo e a oposição regional, que nos últimos meses paralisou a Bolívia. ¿A consulta não será uma solução para nenhum dos lados, mas só irá aprofundar o confronto¿, disse ao Estado Fernando Molina, diretor do semanário político e econômico Pulso, um dos mais respeitados do país.

¿Se as pesquisas se confirmarem, é verdade que Evo ganhará um voto de confiança da população, mas líderes opositores importantes, como o governador de Santa Cruz, Rubén Costas, que se opõe às mudanças do presidente, também obterão ótimas votações¿, diz ele.

CAMPANHA CONTRA

Molina lembra que, de qualquer forma, a oposição já está fazendo uma campanha para desqualificar o referendo e contestar suas regras - sinal de que não pretende reconhecer seus resultados.

De fato. Os governos dos Departamentos (Estados) de La Paz, Chuquisaca, Santa Cruz e Cochabamba se recusaram, na quinta-feira, a assinar documentos se comprometendo a garantir o bom andamento da votação. No dia seguinte, o governador de Cochabamba, Manfred Reyes Villa, disse que não entregará o cargo se perder o referendo. Até ontem o clima era de confronto - grupos anti-Evo prometiam impedir a chegada das urnas em redutos do presidente em todo o país e aliados de Evo respondiam com ameaças.

Pelas regras do Conselho Nacional Eleitoral - e refutadas pelas instâncias departamentais e pelo Congresso -, para o mandato do presidente ser revogado o ¿não¿ a Evo precisa superar os 53,7% dos votos (a porcentagem com a qual ele foi eleito em 2005). Já para os governadores serem destituídos basta que os votos contra eles superem os 50% mais um.

As pesquisas mais desfavoráveis para a oposição apontam que quatro dos oito governadores estão na corda bamba, sendo um governista e três opositores - Reyes Villa, o governador de La Paz. José Luis Paredes, e o de Tarija, Mário Cossío. A governadora de Chuquisaca, Silvia Cuellar, opositora, não participará da consulta porque acabou de ser eleita, com a renúncia de seu antecessor.

OPOSIÇÃO FORTE

Para o desgosto do presidente, porém, líderes regionais de peso como Costas, o governador de Pando, Leopoldo Fernández, e o de Beni, Ernesto Suárez, não só devem permanecer em seus cargos como têm chance de obter uma votação que ronda os 70% - bem maior que a do presidente.

Curiosamente, o resultado tende a ser, portanto, um voto de confiança para Evo e outro para a oposição. Situação que, segundo analistas, é a expressão de um país dividido que está dando aos seus líderes uma mensagem clara: ¿A Bolívia quer mudanças sim - quer mais inclusão social e divisão de poder com os departamentos -, mas quer que sejam feitas por meio da negociação, não do confronto¿, diz o cientista político boliviano Carlos Cordeiro.

A situação não é muito diferente do que aconteceu em 2005, quando a mesma Bolívia que elegeu Evo, o primeiro indígena presidente, também colocou no poder sete governadores de oposição. ¿A Bolívia está votando para que seus líderes dialoguem, mas nenhum deles parece entender o recado¿, diz Cordeiro

Em seus discursos, Evo sempre fez questão de afirmar que, por trás desse referendo revocatório, há uma disputa entre duas visões de país. De um lado, está o seu modelo indigenista-socialista. Do outro, o modelo liberal-autonomista da oposição.

Recentemente os líderes desse grupo organizaram referendos em seus departamentos nos quais a população votou por mais independência de La Paz em questões administrativas e tributárias. ¿Num cenário como este, o referendo só vai favorecer a polarização e as alas radicais dos dois grupos, quando na vida real existem muitos matizes e muita gente que está a favor de algumas propostas de Evo e de outras da oposição¿, diz o sociólogo Roberto Laserna, da Universidade Maior de San Simón.