Título: Projetos dão popularidade a Evo
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/08/2008, Internacional, p. A19

Maioria dos bolivianos também se identifica com presidente por sua origem indígena e fama de trabalhador

Dois anos e meio após ser eleito, com 53,7% dos votos, o presidente Evo Morales não conseguiu aplicar boa parte das reformas com as quais pretendia ¿refundar a Bolívia¿. A disputa com a oposição paralisou as instituições do país, as nacionalizações e ameaças de expropriações de terras inibiram investimentos, e o desabastecimento impulsionou a inflação, que alcançou 8,8% nesse primeiro semestre.

Ainda assim, os índices de aprovação de Evo estão na faixa de 54% a 59%, segundo pesquisas recentes - o que garantiria sua vitória no referendo de hoje. Pode parecer pouco lógico, mas algumas conversas com moradores da periferia de La Paz oferecem explicações para a popularidade do presidente.

A primeira delas é o fator identificação. Evo é o primeiro presidente indígena a ser eleito presidente da Bolívia, país onde eles são maioria. O carisma do presidente e a sua fama de honesto e trabalhador - ele levanta às 4 horas e às 5 horas já está deliberando - garantem a simpatia de uma grande fatia da população. ¿Até Evo assumir havia muita discriminação contra os indígenas, mas ele criou um governo em que todos têm direito¿, diz o garçom Feliciano Choque, que é de origem aimará, como Evo.

A segunda explicação está relacionada a dois programas sociais muito populares lançados pelo presidente com recursos do setor de gás e petróleo - mais especificamente o aumento dos impostos sobre as petrolíferas estrangeiras. O primeiro deles é o Renda Dignidade, uma pensão de 300 bolivianos (US$ 47) para os idosos com mais de 60 anos e de 240 bolivianos (US$ 40) para os que já recebem aposentadoria. Calcula-se que em 25% das famílias bolivianas há alguém que recebe essa ajuda mensal.

O outro programa é o chamado Bono Juancito Pinto (em alusão a um jovem herói na Guerra do Pacífico, contra o Chile). Trata-se de uma espécie de bolsa-escola na qual as famílias com crianças de 6 a 10 anos matriculadas nas escolas públicas têm direito a 200 bolivianos por ano (cerca de US$ 70). ¿Meus quatro filhos recebem o Bono Juancito Pinto¿, diz o operário Vidal Prieto, de 45 anos.¿Claro que não é muito, mas já dá uma boa ajuda nos gastos da família. Antes de Evo, ninguém pensava nos pobres como nós.¿

Aqueles que recebem recursos de qualquer desses programas em geral estão dispostos a votar pelo presidente e temem que uma vitória da oposição signifique um retorno ao tempo em que as autoridades preferiam esquecê-los. Além disso, projetos como esses dão à população a impressão de que Evo é o primeiro presidente boliviano que não só conseguiu aumentar a renda do gás, mas efetivamente está empenhado em distribuir esses recursos para a população que mais precisa.

As nacionalizações, carro-chefe da campanha do ex-líder cocaleiro em 2005, também foram bem vistas por boa parte dos bolivianos, bastante permeável ao discurso da ¿recuperação dos recursos naturais do país¿. Soma-se a isso tudo o bom momento vivido pela economia boliviana - que apesar de toda a instabilidade cresceu 4% em 2007, puxada pelo setor de energia e a alta das commodities. Tem-se um cenário tão favorável ao presidente que nem sete governadores opositores seriam capazes de estragar.