Título: Câmbio entra em rota de incertezas
Autor: Graner, Fabio
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/08/2008, Economia, p. B3

Queda do preço das commodities pode provocar a alta do dólar

Depois de anos em direção à valorização, a taxa de câmbio no Brasil entra numa fase de incertezas. As dúvidas sobre o que acontecerá com o preço das commodities internacionais (petróleo, minérios e produtos agrícolas), com a taxa de juros americana, com o déficit na conta corrente brasileira (que registra as operações de comércio e serviços com o exterior) e com o nível da atividade econômica doméstica e em outros países colocam em terreno pantanoso os que se arriscam a prever os rumos da relação entre o dólar e o real.

Por enquanto, o mercado financeiro espera que as cotações oscilem na casa dos R$ 1,60 nos próximos 6 a 12 meses. Nesse cenário de relativa estabilidade, a queda do dólar deixa de ser um fator de redução da inflação, mas também não causa problemas no sentido contrário - ou seja, não joga combustível na inflação e tem efeito benéfico na melhoria da rentabilidade dos exportadores.

Mas os riscos de esse cenário não se concretizar não podem ser desprezados, reconhecem economistas dentro e fora do governo. Os fatores de incerteza mencionados ampliam as chances de o câmbio ter desvalorizações fortes, com menor influência no combate à inflação. Na semana passada, por exemplo, refletindo a queda das commodities, o dólar subiu cinco dias seguidos, para R$ 1,61.

CARRY TRADE

O ex-diretor do Banco Central Carlos Thadeu de Freitas aponta que, de fato, há importantes fatores que elevam o risco de desvalorização do real, como uma queda abrupta nos preços das commodities. Para ele, o cenário mais provável, no entanto, não é o de desvalorização acentuada e contínua do real. ¿A não ser que os juros subam muito nos Estados Unidos, o que ainda não está à vista por causa do enfraquecimento da economia de lá.¿

O fator mais importante hoje para a determinação da taxa de câmbio, segundo Freitas, são as elevadas taxas de juros brasileiras, que tornaram mais atraente o ingresso de dólares. Isso ocorre por meio das operações chamadas de carry trade, em que os investidores fazem empréstimos no exterior e aplicam em papéis brasileiros. ¿O carry trade é um grande estabilizador das cotações¿, disse Freitas, lembrando que em junho entraram mais de US$ 3 bilhões para a renda fixa.

O economista-chefe do banco BES Investimento, Jankiel Santos, pensa diferente e vê como o fator mais relevante para determinar as cotações do câmbio os preços das commodities. Ele considera difícil uma queda abrupta desses produtos, que afete diretamente o câmbio. ¿Por mais que se identifique uma tendência de desaceleração da economia mundial, não se fala numa recessão que traria os preços das commodities para baixo com tanta força.¿

Segundo ele, o efeito favorável do menor preço das commodities sobre a inflação seria compensado, pelo menos em parte, por uma eventual desvalorização do real. ¿Qual efeito vai prevalecer, caberá ao BC avaliar.¿

A evolução da taxa de câmbio é alvo de atenção especial do governo. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, é explícito em manifestar a sua preferência por um real mais desvalorizado. Isso favoreceria o setor exportador e conteria o déficit externo, que preocupa a Fazenda. Mas ele não quer uma alta rápida do dólar, pois elevaria a inflação, anulando o efeito da queda das commodities.

Diante da possibilidade de desvalorização rápida do real, a dúvida é sobre como o Banco Central, com reservas superiores a US$ 200 bilhões, vai atuar. O comportamento do BC tem sido deixar a moeda seguir sua tendência, apenas suavizando os movimentos.