Título: Explosão da classe média é tendência mundial
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/08/2008, Economia, p. B12

Segundo o Banco Mundial, essa camada da população vai somar 1,1 bilhão de pessoas em 2030

Nos últimos meses, multinacionais como Coca-Cola, Nissan ou a Nestlé criaram novas linhas de produtos. Eles não tem nenhum sabor novo nem inovação tecnológica. Mas foram elaborados especialmente para atender a uma camada da sociedade que explode no mundo: a classe média. Estimativas do Banco Mundial, do Goldman Sachs e de consultorias apontam que o mundo vive a maior expansão da classe média, superando até mesmo a revolução no século 19, quando o fenômeno transformou Europa e Estados Unidos.

Se, para as multinacionais, essa parcela da população representa um novo mercado, para ambientalistas, a explosão pode representar um risco real para a sustentabilidade, se o padrão de consumo americano for reproduzido pelo planeta. Para a agência de Saúde da ONU, o risco de que a obesidade se transforme em praga nos países emergentes também é uma ameaça.

Segundo o Banco Mundial, a classe média no mundo passará de 430 milhões de pessoas em 2000 para mais de 1,1 bilhão em 2030 - 93% estarão nos países emergentes. Para o banco, uma pessoa de classe média ganha entre US$ 10 e US$ 20 por dia.

Para entidades de pesquisa, essa população seria maior. ¿Nos últimos dez anos, vimos uma expansão sem precedentes da classe média¿, afirma do Goldman Sachs em relatório. ¿Mas o ritmo de crescimento será bem mais rápido nos próximos anos.¿ Na avaliação do Goldman, até 2030, 2 bilhões de pessoas farão parte da classe média - o correspondente a 30% da população mundial. O banco de investimento considera integrante da classe média quem ganha entre US$ 6 mil e US$ 30 mil por ano.

Uma parte enorme da população continuará na extrema pobreza. Mas a expansão da classe média terá impactos ambientais, econômicos, sociais e políticos. Hoje, 70 milhões de pessoas saem da pobreza e entram na classe média a cada ano. Até 2030, serão 90 milhões por ano.

Os principais responsáveis por isso serão Brasil, Rússia, Índia e China, que estarão entre as seis maiores economias do mundo até 2050. Mas Indonésia, México, África do Sul e Turquia também terão alta. Como conseqüência, o Goldman estima que o número de pessoas vivendo com menos de US$ 2 por dia cairá para 2,5% da população mundial em 2020 ante 30% nos anos 70.

Para a McKinsey Global Institute, a classe média indiana passará de 50 milhões de pessoas em 1990 para 583 milhões em 2020. Na China, a classe média representará 76% da população até 2025. Hoje, ela é 46% do país.

IMPACTO

Para as consultorias, o impacto econômico dessas novas camadas será significativo. Nos últimos meses, parte da alta nos preços das commodities ocorreu diante do maior consumo de carne e alimentos por chineses e indianos. Minerais, madeira e petróleo nunca foram tão consumidos. Segundo a agência de Alimentação e Agricultura da ONU, a safra mundial será recorde em 2008. Mas os estoques não estarão em situação confortável.

Para a Nestlé, os emergentes garantem lucros, enquanto Estados Unidos e Europa dão sinais de debilidade. No primeiro semestre, o crescimento médio da empresa foi de 8,9% ante 18% nos países emergentes. ¿Vemos esses mercados como oportunidades para compensar a desaceleração nas economias ricas¿, disse o diretor Financeiro da Nestlé, Jim Singh.

Na China, a empresa estima que 1 bilhão de pessoas compraram seus produtos. ¿Muitos estão consumindo produtos de marca pela primeira vez¿, disse Singh. Para essa clientela, a Nestlé criou embalagens menores e mais baratas. No Brasil, essa estratégia é adotada no Nordeste.

Também na China, a substituição das bicicletas por carros ganha força. A previsão da indústria é que até 2025 os chineses terão uma frota superior à dos Estados Unidos. Empresas locais e mesmo a Nissan passam a produzir veículos com o tamanho e o preço adequados a esses novos consumidores.

Para a Coca Cola, a explosão da classe média significará a inclusão de uma cidade do tamanho de Nova York a cada três meses entre os potenciais consumidores. Nas China, suas garrafas estão menores e mais baratas. A Lenovo, empresa chinesa que adquiriu parte da IBM, diz que a China já é o maior mercado de televisões e celulares. Em poucos anos, também será o maior mercado para computadores.

DISPUTA

A diplomacia comercial dos grandes países tem buscado espaço para seus produtos nesse novo mercado. ¿É lá que estará a fonte de crescimento para a maioria dos setores¿, afirmou ao Estado um diplomata europeu que monitora o desenvolvimento de economias emergentes. Não por acaso, a União Européia tenta fechar acordos com Coréia, Índia e países do Mercosul.

Foi a disputa pela abertura de mercados emergentes que fez fracassar a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio. Americanos e europeus insistiram que fariam um acordo se tivessem acesso aos mercados que mais crescem no mundo. Índia e China tinham outro ponto de vista: por que abrir seus mercados no momento em que suas empresas estão lucrando com o surgimento do mercado doméstico?

¿Seremos o maior consumidor e fabricantes de carros no mundo. Por que vamos abrir hoje nossa economia aos produtos americanos?¿, questionou Kamal Nath, ministro do Comércio da Índia.