Título: Grampo é para crime que aconteceu
Autor: Scinocca, Ana Paula
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/08/2008, Nacional, p. A10

Para Itagiba, polícia deve investigar para depois interceptar, e não o contrário, como tem acontecido atualmente

Delegado da Polícia Federal, o presidente da CPI dos Grampos, deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), defende interceptações telefônicas como fundamentais para certas investigações, mas avalia que têm sido usadas de forma equivocada. "Devemos ser uma polícia que investiga para depois interceptar, ao invés de sermos uma polícia que intercepta para investigar", diz em entrevista ao Estado. A CPI ganhou os holofotes com a Operação Satiagraha, que prendeu, entre outros, o banqueiro Daniel Dantas.

Afinal, já se sabe ao certo o número de interceptações feitas no País?

Não. Até agora a CPI só tem informações fornecidas pelas operadoras (de telefonia), que dão conta de 409 mil interceptações (em 2007). Já a Polícia Federal informou que no ano passado foram 48 mil interceptações, e que são específicas da PF.

O sr. considera o grampo fundamental para uma investigação?

O grampo é fundamental e necessário para a investigação do crime organizado, crimes de corrupção e crimes de colarinho-branco. Obviamente, também pode ser utilizado nos crimes de tráfico de drogas e seqüestros. Agora, antigamente se dizia que a polícia era uma polícia que prendia para investigar e que deveria ser uma polícia que deveria investigar para prender. Hoje, podemos traçar um paralelo semelhante. Nós devemos ser uma polícia que investiga para depois interceptar, ao invés de sermos uma polícia que intercepta para investigar. O que parece, e o que tem sido demonstrado para a CPI, é que, como se trata de um instrumento muito fácil e muito confortável, ele tem sido utilizado como início da investigação, e não como o fim. O ovo está vindo antes da galinha.

Como melhorar esse processo?

Acho que todos têm de se conscientizar que a banalização desse instrumento acarretará prejuízos, porque não podemos nos esquecer que hoje ele é utilizado como prova, e a prova pode ser contestada. A melhor forma de tratar essa questão é a polícia ser conscienciosa nas solicitações, o Ministério Público fiscalizar esses requerimentos e o juiz fiscalizar, já que é ele o responsável pela quebra do sigilo.

O sr. é favorável à mudança na Lei dos Grampos?

Primeiro, temos de definir a situação da interceptação, que é para apurar crime acontecido ou vai se destinar a crimes que vão acontecer. Essa é questão doutrinária que tem de ser estabelecida. Hoje, o grampo está aí para investigar o crime que já aconteceu. A lei é para isso.

Mas tem sido feito...

O contrário. Mas a lei é para o crime que aconteceu. Segundo, se a lei fosse aplicada plenamente, não teriam sido concedidas tantas interceptações quanto foram.

Então está faltando rigor na aplicação da lei?

Tem faltado rigor.

E quais mudanças o sr. defende?

Primeiro, temos de seguir corretamente a lei que está aí. E, em segundo lugar, nós mesmos na Comissão de Constituição e Justiça fizemos proposta de nova lei de interceptação, já pronta para ir a plenário, e que defende alteração do prazo para 30 dias, renováveis, por uma única vez, por 30 dias. A exceção fica para crimes continuados, como os de seqüestro. Uma outra coisa que é importante frisar: nós estamos investigando pessoas ou fatos. A interceptação telefônica é destinada a investigar fatos criminosos que são praticados por pessoas.

E não é isso que está acontecendo?

Têm sido investigadas pessoas, e não fatos criminosos.

O sr. não considera haver exagero na postura de alguns delegados?

Na verdade, quando você exerce atividade investigativa você se empenha ao máximo para apurar o crime. Então, passa a acreditar naquilo como sendo a verdade. É por isso que temos os tribunais, que vão fazer o contraditório e definir qual o melhor direito.

Pelo que o sr. já apurou na CPI, diria que houve excesso na Satiagraha?

Tem muita coisa ainda a ser verificada. Mas, sem dúvida nenhuma, foi uma operação que teve por objetivo tirar de circulação um grupo organizado que, segundo os dados até agora apurados, foi altamente nocivo para o País.

Que balanço o sr. faz dos trabalhos da CPI dos Grampos até aqui?

A CPI tocou numa questão que é a verdadeira caixa-preta do País hoje, que são as interceptações telefônicas, e demonstrou que ninguém tinha o controle sobre isso e que o número, ao que parece, é excessivo. Demonstrou que houve banalização e que entidades que não têm atribuição para fazer interceptação, como a Polícia Rodoviária Federal, estão fazendo com autorização da Justiça, o que me parece totalmente ilegal.

Quem é: Marcelo Itagiba

Exerce seu primeiro mandato como deputado pelo PMDB

Foi secretário de Segurança Pública do Rio e hoje preside a CPI dos Grampos na Câmara