Título: Lugo toma posse sob pressão por mudanças
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/08/2008, Internacional, p. A19

Sem-terra paraguaios pedem reforma e empresários, o fim do clientelismo

Ariel Palacios, BUENOS AIRES

Fernando Lugo se tornará hoje o primeiro presidente do Paraguai a chegar ao poder sem ser membro do Partido Colorado, do Partido Liberal ou ditador. Também será o primeiro ex-bispo a presidir uma república desde 1945.

Lugo governará com o apoio de uma insólita colcha de retalhos política, a Aliança Patriótica para a Mudança (APC), que inclui o partido do ex-general golpista Lino Oviedo, a União Nacional de Cidadãos Éticos (Unace), além de indígenas, movimentos sem-terra, partidos conservadores e setores de centro. Ontem, Lugo anunciou que renunciará ao salário de presidente, pois esse dinheiro pertence aos mais humildes.

A chegada de Lugo à presidência - após 61 anos de domínio do Partido Colorado - alimenta expectativas tanto dos setores mais humildes quanto do empresariado, que espera uma renovação econômica. Lugo promete combater a pobreza e a corrupção com um gabinete que reflete a heterogeneidade da sua coalizão. O ministro da Economia, Dionisio Borda, por exemplo, foi ministro do governo do presidente Nicanor Duarte, que está deixando o poder.

Os camponeses, que apoiaram Lugo ao longo dos últimos anos, consideram o novo presidente um ¿porta-voz¿ de suas demandas e pressionarão por uma reforma agrária. ¿Damos seis meses a Lugo. Se ele não cumprir seus compromissos, vamos enfrentá-lo¿, advertiu o líder camponês Belarmino Balbuena.

Já o empresariado espera que Lugo acabe com a rede clientelista armada pelo Partido Colorado no país. Na quinta-feira o ex-bispo entusiasmou os empresários ao anunciar que está estudando a criação de um sistema de administração compartilhada - com participação de empresas privadas - para recuperar as estatais deficitárias.

A idéia é tornar mais eficiente um sistema burocrático que tem 220 mil funcionários públicos trabalhando nos mais diversos setores: energia, telefonia, produção de cimento, distribuição de água potável e conexões de internet. Dessa forma, Lugo seguiria na contramão da tendência de estatizações da Venezuela, Equador, Bolívia e Argentina, países cujos governos nacionalistas são seus aliados.

Lugo é um novato na política. Em 2006 ele liderou a ¿Resistência Cidadã¿, que reuniu os principais partidos da oposição e sindicatos para protestar contra a política econômica do governo de Nicanor Duarte.

A vitória de Lugo foi possível graças ao grande apoio do tradicionalista Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA). Segundo analistas, o novo presidente precisará de muito jogo de cintura para manter essa coalizão intacta. Mas eles reconhecem que, ao longo dos anos em que exerceu o sacerdócio, Lugo adquiriu grande capacidade de obter consenso entre grupos antagônicos.

¿Ele consegue dar um tapinha nas costas da burguesia e uma piscadela para o militante de esquerda¿, disse o cientista político Alfredo Boccia Paz.