Título: O petróleo é nosso, o retorno
Autor: Sardenberg, Carlos Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/08/2008, Economia, p. B2

Vem aí O petróleo é nosso - 2. Vai cair bem na campanha presidencial de 2010 e, a julgar pelo que têm dito o presidente Lula e sua candidata Dilma Rousseff, eles vão colocar o debate na base de ¿nós, o povo¿ contra as elites entreguistas. Será interessante observar qual a reação do candidato tucano, seja José Serra, seja Aécio Neves. Defenderá a atual Lei do Petróleo, uma realização do governo FHC, ou fará como Alckmin na última campanha, que renegou as privatizações?

Informações vindas do governo Lula indicam que o presidente pretende definir o novo modelo de exploração do petróleo até o final deste ano. Mesmo que cumpra o prazo, a história estará apenas começando. Pelo que se pode saber até aqui, o governo pretende mudar a Lei do Petróleo, que regula o sistema de exploração e as regras de distribuição dos royalties para Estados e municípios. Pretende, ainda - é a tendência do momento -, criar uma nova estatal para administrar as reservas de óleo da camada pré-sal.

As três mudanças dependem da aprovação de projetos de lei no Congresso Nacional. Assim, tendo o governo definido o seu modelo, inicia-se uma batalha política pela opinião pública, enquanto os projetos tramitam na Câmara e no Senado. Não vai ser fácil.

Todos os temas caem em controvérsias políticas, econômicas e mesmo regionais. Por exemplo: hoje, um número pequeno de municípios e de Estados recebe os royalties do petróleo e já existem dezenas de projetos no Congresso Nacional para redistribuir o dinheiro e/ou ampliar os beneficiários. Como todos os deputados são ligados a municípios, dá para imaginar o tamanho da disputa.

Do ponto de vista político, nem é preciso dizer: nacionalismo, entreguismo, dinheiro do povo x dinheiro das empresas, benefícios sociais e programas educacionais x lucros, e por aí vai.

Mais complexa ainda é a questão econômica, na verdade, a parte essencial e que provavelmente ficará perturbada pelo viés político.

Assim, convém dar uma geral no caso, tentando estabelecer um pouco de bom senso. O modelo atual é regulado por lei de 1997 e determina que todas as jazidas de óleo, todas - as descobertas e as a serem descobertas -, pertencem à União. São, digamos, administradas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), que, por meio de leilões, concede a exploração das jazidas a companhias, que podem ser estrangeiras ou nacionais, privadas ou estatais. Na prática, há uma estatal - a Petrobrás -, que, aliás, domina o setor. Mas nada impede, por exemplo, que um governo estadual constitua uma empresa para entrar no negócio.

As empresas que vencem os leilões se tornam concessionárias. Pagam pelos blocos oferecidos pela ANP, blocos esses que já foram pesquisados, mas que podem ou não ter petróleo em condições comerciais. Assim, as companhias pagam (um bônus de assinatura) pelo direito de investir e procurar o óleo. Encontrando, pagam de novo. As concessionárias são donas do petróleo que descobrem e extraem, mas pagam royalties, taxa de participação especial e taxa de ocupação. E depois, obviamente, pagam todos os impostos ¿normais¿, do ICMS ao IR, Cofins, etc.

União, Estados e municípios têm recebido muito dinheiro do petróleo. Mas o pessoal do governo Lula acha que não basta. Ocorre que as empresas concessionárias fazem e ficam com os lucros que, no regime capitalista, constituem a remuneração do investimento, do risco tomado, da iniciativa, da gestão, etc. Mas, para quem não gosta do capitalismo e apenas o tolera por falta de alternativa, esse lucro continua sendo uma espécie de roubo, mesmo quando pertence à Petrobrás. É que a estatal, embora controlada pelo governo, tem muitos acionistas privados. Até não haveria problema com os acionistas brasileiros, especialmente os trabalhadores que compraram ações com dinheiro do FGTS. Mas, e os acionistas estrangeiros, especialmente os americanos? Vão ficar com o ¿nosso lucro¿?

Parece que os acionistas levam de graça, parece que não compraram os papéis e que não forneceram capital para a estatal investir e garantir a proclamada auto-suficiência. (E, por falar nisso, nos últimos meses, os acionistas da Petrobrás estão é amargando prejuízos nas bolsas.)

De todo modo, pelo sistema atual, sem mudar o modelo de exploração e propriedade, o governo poderia aumentar as taxas pagas pelas concessionárias, uma vez demonstrado que os novos poços serão altamente produtivos e rentáveis.

Mas não basta. O governo está pensando assim: há um mar de petróleo na camada pré-sal, isso vai dar uma grana enorme e nós vamos ficar com tudo. Para gastar com educação, foi o primeiro mote levantado pelo presidente Lula.

O problema é que para retirar o petróleo e ganhar dinheiro é preciso, antes, gastar montanhas de dinheiro na exploração, para definir os novos campos e o volume de óleo aproveitável, e depois na extração comercial. O governo não tem esse dinheiro, o setor privado brasileiro tem um pouco, mas se for para acelerar o negócio não tem como fazer sem os capitais estrangeiros.

Não tem problema, sugere o governo. A nova estatal, dona do pré-sal, contrata empresas que serão remuneradas com uma parte do óleo que vierem a produzir. Claro que a chave do negócio está nessa divisão. As companhias privadas, nacionais e estrangeiras, só toparão colocar dinheiro e correr os riscos se tiverem a garantia de uma boa remuneração. Ou seja, o negócio terá de ser bom e dar lucro às companhias.

Resumo da ópera: estamos correndo o risco de entrar num debate político-ideológico à antiga, cujo resultado pode ser apenas o atraso na exploração de petróleo, dada a insegurança nas regras criada pelo próprio governo.