Título: A ANP sou eu
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/08/2008, Notas & Informações, p. A3
O governo deseja mudar a forma de exploração do petróleo na camada pré-sal. Não admite a concessão de novos blocos à Petrobrás nem a empresas privadas e pretende estabelecer o regime de partilha. Pelo sistema em vigor, a companhia concessionária é proprietária do petróleo ou do gás produzido e paga à União, além dos impostos, várias participações contratuais. Todos os contratos firmados até agora serão respeitados, disse o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e essa é uma boa notícia. Quanto à transformação do regime, dependerá de alteração na Lei do Petróleo (9.478), que só será positiva se não espantar os capitais privados, indispensáveis ao aproveitamento da reserva recém-descoberta.
O preocupante é que, além disso, o governo quer criar uma empresa para administrar a exploração do pré-sal e das áreas adjacentes. Ora, para que uma nova estatal, se não for para dar empregos aos companheiros e servir de instrumento político ao governante da vez? A Lei 9.478 já atribuiu a administração de todos os direitos de exploração e de produção de gás e petróleo à Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Para defender as inovações, o presidente Lula tem recorrido a argumentos dos anos 50, parecendo haver esquecido a evolução política do País desde a criação do monopólio estatal do petróleo. A riqueza do pré-sal, disse o presidente, discursando para dirigentes da UNE, ¿é patrimônio da União, dos 190 milhões de brasileiros¿. É verdade, mas isso está na Constituição e é reafirmado na Lei 9.478. Não é preciso legislar de novo para estabelecer esse direito.
Embalado pela própria voz, o presidente não se deteria diante dessas miudezas. Não se pode, proclamou Lula, deixar o petróleo do pré-sal com ¿meia dúzia de empresas que pensam que o petróleo é delas e vão apenas comercializar¿.
Aí o presidente entra em terreno perigoso. Toda empresa petrolífera em operação no Brasil, nacional ou estrangeira, sabe que as jazidas pertencem à União. Mas a Constituição Federal autoriza a União a contratar com empresas privadas ou estatais a pesquisa, a lavra e o refino de petróleo. Quanto à lei, que acabou com o monopólio da Petrobrás, autoriza a concessão de atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás, em contratos precedidos de licitação. As concessionárias têm direito à propriedade do petróleo e do gás extraídos, pagando os tributos e as participações legais ou contratuais.
Portanto, as companhias não ¿pensam que o petróleo é delas¿. Sabem apenas, com base na lei e no contrato, que o produto de sua atividade lhes pertence, descontado o que devem ao governo. Se o governo quer mudar o regime dos contratos, pode propor a inovação com base em argumentos mais sérios. Mas, fiel ao estilo de comício, o presidente não poderia discutir o assunto com objetividade e respeito às concessionárias. Tratou-as como inimigas do povo, prontas para usurpar o patrimônio nacional. E a suspeita inclui a Petrobrás, talvez por ter mantido um bom padrão profissional, apesar das interferências políticas do governo.
Ao ressuscitar o mote ¿o petróleo é nosso¿, o presidente se volta para dois objetivos imediatos. Um é mudar o regime de exploração e aumentar os ganhos do governo. Falta muito para a exploração efetiva do pré-sal, mas o presidente e seus companheiros antevêem a geração de um enorme bolo de recursos e pretendem garantir seu controle pelo governo.
Mas, para pôr a mão nesse dinheiro antes do fim do mandato presidencial, terão de criar um meio de antecipar receitas. Técnicos ligados ao poder central já lançaram a idéia de emissão de papéis lastreados na produção futura do pré-sal. Se essa for a intenção, e se a manobra der certo, o governo poderá gastar por conta de um petróleo que só será extraído dentro de vários anos. Se esse não for o propósito, será mais difícil explicar a abertura do debate neste momento.
O outro objetivo é moldar um novo instrumento de poder, sob a forma de mais uma estatal. Para quê? Oficialmente, para administrar os recursos do pré-sal. Mas, pela Lei 9.478, isso já é função da ANP. O governo preferiu, no entanto, enfraquecer a agência, sujeitando-a a critérios de distribuição política de cargos. Então, ponha-se de lado a agência enfraquecida e crie-se uma estatal, aparelhada e equipada especialmente para coletar muito dinheiro e servir aos objetivos do grupo no poder.
No momento, aliás, Lula poderia repetir Luís XIV: ¿A ANP sou eu!¿