Título: Economista teme que melhora seja transitória
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/08/2008, Economia, p. B4

Segundo Velloso, mudança pode refletir alta da inflação e refere-se apenas ao governo federal

Fernando Dantas

A visão benevolente sobre a política fiscal em 2008 do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) não é compartilhada por outros economistas de orientação liberal e ortodoxa. ¿Eu me preocupo muito com análises de curto prazo; é bom ver o gasto crescendo menos, mas já não é tão bom se este não for um efeito permanente¿, diz Raul Velloso, analista de contas públicas.

O próprio Ibre, aliás, manifesta algumas preocupações que relativizam o seu otimismo. Além de temer pelas conseqüências da regra de reajuste do salário mínimo em 2009, os economistas da instituição acham que o esforço fiscal tem de ser ampliado para conter o déficit em conta corrente e tornar viável um crescimento acima de 6% ao ano.

Velloso acha possível que a desaceleração no ritmo de crescimento da despesa federal no primeiro semestre se deva a fatores meramente ocasionais e não se repetirão, já que ele diz não ter visto ¿nada que tenha sido feito para mudar o padrão da política fiscal dos últimos anos¿. O economista acrescenta que a melhora detectada pelo Ibre e por outros analistas econômicos refere-se apenas ao governo federal, e não inclui Estados e municípios.

Embora não tenha ainda estudado o assunto em detalhes, Velloso desconfia que a desaceleração no crescimento dos gastos da Previdência no primeiro semestre tenha a ver com a redução de pagamentos em conseqüência de sentenças judiciais, o que poderia ter um caráter fortuito. Ele nota, ainda, sobre a folha salarial, ¿que o próprio governo anunciou que o impacto (dos reajustes concedidos) seria no segundo semestre¿.

Outra questão citada pelos céticos como Velloso é a aceleração da inflação em 2008. Segundo o economista, ¿no Brasil, o reajuste da receita corre por cima do reajuste dos gastos¿. O problema, ele explica, é que a perda real que as despesas sofrem quando há um aumento inesperado da inflação deixa um ¿rescaldo¿ - isto é, no ano seguinte, quem foi prejudicado corre atrás para recuperar o terreno perdido.

Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Banco Santander, concorda e lembra que a inflação deu um grande salto entre a primeira metade de 2007 e a de 2008. Nos 12 meses até junho do ano passado, o IPCA acumulou 3,7% e nos 12 meses até junho de 2008, 6,1%. ¿Eu sou radicalmente contra brigar com os números¿, diz Schwartsman, referindo-se à desaceleração do crescimento dos gastos no primeiro semestre. Mas ele acrescenta que ¿é preciso ter muita cautela, porque um pedaço disso é causado pela inflação, que acelerou¿.

Outra preocupação geral, inclusive do Ibre, é com a regra de reajuste do salário mínimo e seu impacto em 2009. Tomando-se a lei enviada ao Congresso (mas ainda não aprovada) de reajuste pelo PIB de dois anos antes (2007) mais o INPC, o reajuste do mínimo em 2009 será superior a 12,5%, o que pode levá-lo de R$ 415 para quase R$ 470, com forte impacto nas contas da Previdência.

Para Fernando Fenolio, economista do Unibanco, um reajuste desta magnitude pode interromper a queda do déficit da Previdência como proporção do PIB, que caiu de 1,8% em 2005 para 1,4% em 2008. A Carta do Ibre (documento mensal de análise econômica) de agosto, aliás, termina com um apelo relativo a esse problema: ¿O governo, portanto, deveria negociar no sentido de manter-se o valor do salário mínimo em termos reais em 2009, como uma forma mais incisiva de ajuda no combate à inflação, e retomar a política de aumentos reais apenas em 2010. ¿

Schwartsman acrescenta que 2009 terá um crescimento do PIB menor e inflação mais baixa, o que, junto com o provável reajuste do salário mínimo pela regra do PIB mais INPC tem tudo para criar grandes dificuldades para a política fiscal.