Título: Entre R$ 1,60 e R$ 1,80 está o equilíbrio
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/08/2008, Economia, p. B5

Para El-Erian, alta do dólar é um fenômeno de curto prazo e o Brasil não deve se preocupar com resultado da conta corrente

Patrícia Campos Mello

O real vai deixar de carregar pedras sozinho - e passará a dividir com mais moedas o fardo da valorização diante do dólar. Essa é a previsão de Mohamed El-Erian, co-presidente da administradora de fundos Pimco, uma das maiores do mundo, com uma carteira de US$ 750 bilhões. El-Erian acompanha de perto os mercados emergentes e foi um dos primeiros observadores a dizer que o Brasil seria alçado ao status de grau de investimento. ¿Na época, em 2003, as pessoas davam risada¿, lembra El-Erian, que acaba de lançar o livro Quando os mercados colidem: estratégias de investimentos para uma era de mudanças econômicas globais, pela editora McGraw-Hill. Ele acha que o dólar deve ficar no patamar de R$ 1,60 a R$ 1,80, que é o ¿valor justo¿, e que internacionalmente a alta do dólar é um fenômeno de curto prazo. Abaixo, trechos da entrevista que El-Erian concedeu ao Estado por telefone.

Por que o dólar está subindo no mundo? Trata-se de uma tendência?

Nós acreditamos que a alta do dólar seja um fenômeno de curto prazo. Nas últimas semanas, houve uma grande revisão de expectativas de crescimento na Europa, o que implica uma mudança nas expectativas para a política monetária do Banco Central Europeu. O mercado estava contando com altas de juros na Europa em 2009 e passou a esperar cortes na taxa. Dessa maneira, o diferencial de taxa de juros entre o dólar e outras moedas importantes mudou, o que causou a mudança na trajetória. (A expectativa de juros na zona do euro deixou de ser tão maior que nos Estados Unidos, o que atraiu investimentos para o dólar, valorizando a moeda.) Mas nós achamos que depois dessa correção cíclica, o dólar volta a enfraquecer. A economia americana ainda vai se deteriorar e precisa de um dólar fraco para continuar estimulando exportações e atraindo capital.

Qual é o impacto dessas movimentações do dólar sobre moedas de países emergentes?

Existe uma coisa interessante a respeito da cotação das moedas: elas não refletem apenas o que deveria acontecer, mas também o que é permitido que aconteça. Estamos saindo de uma época em que o fardo de valorização frente ao dólar era carregado por moedas de poucos países, entre eles o euro e o real, que têm regime de câmbio flutuante. As outras moedas que deveriam estar se valorizando frente ao dólar não foram permitidas a fazê-lo - como a moeda chinesa e moedas de países do Oriente Médio. Agora, por causa da alta da inflação, é do interesse desses países deixar suas moedas se valorizarem. Eles estão começando a migrar para regimes de câmbio mais flexível - Kuwait passou a ser atrelado a uma cesta de moedas, na China foi adotado um sistema que permite valorização gradual do yuan. A partir de agora, o fardo de valorização frente ao dólar será carregado mais por esses países, que anteriormente tinham regimes de câmbio praticamente fixos.

A moeda brasileira deixou sua trajetória de valorização nos últimos tempos. É um sinal de uma tendência de enfraquecimento do real?

Quando vimos o dólar cotado em R$ 1,55 ficamos preocupados com overshooting. Uma correção da cotação de volta para R$ 1,60 é bem-vinda - achamos que o equilíbrio está em R$ 1,60 a R$ 1,80. É o que acreditamos ser um valor justo. E outras moedas vão carregar as pedras que o real tem carregado até agora, em relação à valorização frente ao dólar.

Devemos nos preocupar com a rápida deterioração do resultado da conta corrente?

Não. Dadas as oportunidades de investimentos no Brasil, esse é um país que deveria estar registrando um pequeno déficit em conta corrente. O importante não é saber se há déficit ou superávit, mas sim saber se a mudança ocorreu por um bom motivo ou não. Para determinar isso, deve-se analisar se as exportações continuam dinâmicas e avaliar a composição das importações - são para fins de investimento? Eu não acho que existem motivos para o governo se preocupar. O governo deve se preocupar, isso sim, com a estrutura do financiamento público. Há problemas estruturais que precisam de reformas tanto no lado da arrecadação quanto do lado dos gastos. E se o Brasil quer manter um crescimento sustentável e atingir metas sociais, de saúde e de educação, é preciso que essas reformas avancem.