Título: Após queda de 61%, dólar ensaia recuperação e muda cenário
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/08/2008, Economia, p. B5
Desaceleração global, queda de commodities e déficit em conta corrente no Brasil dão força à moeda americana
Leandro Modé
Depois de quase seis anos, a tendência de valorização do real ante o dólar parece próxima do fim. A maioria dos economistas aposta nesse cenário por três razões: recuperação global da moeda americana, recuo dos preços das commodities e elevação do déficit em conta corrente do Brasil. Se estiverem certos, o piso da taxa de câmbio foi atingido em 31 de julho, quando o dólar valia R$ 1,562. É uma queda de quase 61% em comparação com o pico de R$ 3,99 alcançado em 10 de outubro de 2002.
Os especialistas ressaltam que, por ora, não está no radar um tombo da moeda brasileira e muito menos uma crise cambial, como muitas já vividas pelo País. A última delas, em janeiro de 1999, marcou a adoção do regime de câmbio flutuante, que vigora até hoje.
¿Já iniciamos um movimento de volta, mas a guinada deve ser leve¿, afirma o diretor de Análise da Mercatto Gestão de Recursos, Paulo Veiga. ¿Não enxergo uma valorização do real daqui para frente, mas também não acredito que vá degringolar¿, diz Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria.
O banco de investimentos Barclays Capital, diz o estrategista para América Latina, Paulo Mateus, subiu esta semana a projeção para a moeda americana no fim do ano de R$ 1,55 para R$ 1,68. Para dezembro de 2009, a estimativa é de R$ 1,78.
Dos 11 dias úteis de agosto até agora, a moeda americana ganhou terreno ante a brasileira em dez. Na sexta-feira, fechou cotada por R$ 1,638, alta de 4,86% no mês. A reviravolta deveu-se a fatores interligados, originados no mercado internacional. O primeiro é a piora da perspectiva de crescimento para Japão e União Européia.
Esse enfraquecimento simultâneo teve dois efeitos. Tirou fôlego das commodities e provocou uma recuperação do dólar ante as outras moedas. O petróleo, por exemplo, despencou 22% entre a máxima, em 14 de julho, e sexta-feira.
Como o complexo de commodities responde pela maior parte do saldo comercial brasileiro, o impacto no câmbio é inevitável, sobretudo porque o País voltou a registrar déficit em suas relações com o exterior. De janeiro a junho, o rombo da conta corrente foi de US$ 17,4 bilhões, ante superávit de US$ 2,4 bilhões em igual período de 2007.
O dólar ganhou terreno no mercado global porque cresceu a expectativa de que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) tenha de subir o juro para conter a inflação. Ao mesmo tempo, seu par europeu, o BCE, deve caminhar na direção oposta. ¿Os investidores reagiram à possível queda do diferencial entre o juro americano e europeu¿, diz o economista-chefe do Banco HSBC, André Loes.
Para os analistas, o maior risco para a economia brasileira em decorrência da nova tendência de desvalorização do real está na inflação. As instituições financeiras usam modelos matemáticos para estimar o tamanho desse impacto. O Barclays Capital e a Tendências calculam que, para cada 10% de valorização do dólar, os índices de preços ao consumidor sobem um ponto porcentual.
Loes lembra que há uma atenuante: a queda dos preços das commodities. Se de um lado esse movimento reduz o superávit comercial, de outro ameniza a alta dos preços que mais puxaram os índices de preços nos últimos meses: alimentos.
No entanto, se o déficit em conta corrente mantiver a escalada dos últimos meses, os ganhos do dólar podem ser maiores do que o esperado pelos analistas. Grande parte deles avalia que esse buraco ainda não preocupa porque tem sido coberto com relativa folga pelos investimentos estrangeiros diretos (IED) no Brasil.
A Tendências projeta um déficit de US$ 30 bilhões este ano e de US$ 28 bilhões em 2009. Ambos seriam compensados pelo IED de, respectivamente, US$ 33 bilhões e US$ 30 bilhões. Há, porém, quem não se sinta tão confortável com as perspectivas nessa área.
O presidente da seguradora de crédito Coface, Fernando Blanco, pondera que as empresas, em momentos de incerteza como hoje, tendem a ficar mais cautelosas com os investimentos. ¿O que tem de empresa tomando e recebendo calote no mundo hoje é brutal¿, afirma. ¿Quem está nessa situação não se sente disposto a investir.¿
Para muitos economistas, outro fator que amorteceria eventual queda mais forte do real ante o dólar é o tamanho das reservas cambiais brasileiras, de US$ 200 bilhões. ¿É um nível robusto, tanto do ponto de vista qualitativo quanto do quantitativo¿, diz Paulo Veiga, da Mercatto.