Título: Para analista, taxa ideal ainda está distante
Autor: Rehder, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/08/2008, Economia, p. B6

Fundap defende medidas para acelerar a desvalorização do real, entre elas uma taxa sobre capitais de curto prazo

Marcelo Rehder

A valorização do dólar ante o real, de 4,86% neste mês , ainda está longe de trazer o câmbio para um nível considerado ideal. Segundo cálculos da Fundação para o Desenvolvimento Administrativo do Estado de São Paulo (Fundap), ao longo do segundo trimestre deste ano, a cotação da moeda americana estava 12,4% abaixo do que os economistas chamam de taxa de câmbio real de equilíbrio. Isso significa que, em vez de R$ 1,73, em média, o dólar deveria ter sido cotado a R$ 1,97 no trimestre. Com esse valor, a taxa de câmbio seria neutra, ou seja, não provocaria nem uma piora das contas externas nem afetaria a inflação ou o ritmo do crescimento da economia.

¿Mesmo com a desvalorização do real nas últimas duas semanas, a taxa de câmbio continua claramente muito abaixo do equilíbrio¿, diz Geraldo Biasoto Jr., diretor-executivo da Fundap.

Para calcular a taxa real de câmbio, a entidade se baseou numa cesta de moedas dos 25 principais parceiros comerciais do País. A taxa de equilíbrio é resultante de dois fatores: os termos de troca (a relação entre os preços de exportação e de importação) e o passivo externo líquido do Brasil (medida abrangente dos compromissos líquidos com o exterior, que inclui também os investimentos estrangeiros).

A valorização do câmbio vem desde meados do 2005, mas se acentuou ao longo do ano passado. Para o diretor da Fundap, esse movimento pode ser explicado pela enxurrada de dólares que entrou no País, principalmente para investimentos diretos e aplicações em renda fixa.

¿O movimento expressivo de capitais mascara a taxa de câmbio corrente, fazendo com que a cotação real fique distante de um valor que garanta o equilíbrio externo¿, argumenta Biasoto Jr.. ¿O problema é que a atuação do Banco Central no mercado de câmbio é muito passiva, no sentido de que ele só administra o excesso de dólares no fim do dia.¿

Além da mudança de postura do BC, o diretor da Fundap defende adoção de penalidades de rentabilidade para os capitais de curtíssimo prazo, de forma a refrear um pouco o movimento excessivo de entrada de capitais no País. Ele argumenta que a balança comercial brasileira (diferença entre as exportações e as importações), ¿ tem fechado com superávit em queda livre já há algum tempo¿.

Para alguns analistas, o Brasil corre o risco de voltar a ser deficitário na balança comercial, depois de oito anos no azul. Isso pode ocorrer já no próximo ano, caso a crise internacional se acentue ainda mais, a taxa de câmbio continue desfavorável às exportações e os preços das commodities mantenham a tendência de queda.

¿Ainda tenho dúvidas se no próximo ano o saldo comercial será um pequeno superávit ou déficit¿, diz José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

O balanço de pagamentos do País deve apresentar saldo negativo nas contas correntes com o exterior ainda este ano. ¿Todo mundo sabe que vai dar um déficit na faixa de US$ 30 bilhões nas transações correntes¿, observa Júlio Sérgio Gomes de Almeida, assessor econômico do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

A conta corrente é formada por três itens: a balança comercial; a conta de serviços e rendas (empréstimos externos e de saídas para o pagamento de juros), remessas de lucros e de serviços em geral (viagens e transportes); e as transferências unilaterais correntes, que são recursos enviados por brasileiros no exterior.

Na avaliação de Gomes de Almeida, o déficit em conta corrente, junto com a própria valorização do dólar no mercado global, ajudou a moeda americana a ganhar força em relação ao real. Ele argumenta que o déficit já em níveis elevados e com tendência de piorar ainda mais no ano que vem obriga o governo a comprar mais moeda estrangeira, o que é um fator para a valorização do dólar na sua relação com o real.

¿Mesmo sendo financiável, como de fato o é, o déficit em conta corrente começa a aparecer num momento em que o governo não demonstra muita vontade de fazer um ajuste fiscal efetivo, mais forte¿, diz Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.

Para o economista, querer que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça sem aumentar as poupanças privada e pública leva inexoravelmente a um maior déficit em conta corrente.

¿Isso é contabilidade macroeconômica¿, afirma Vale. ¿Com a situação externa complicada e a fiscal também complicada, ainda mais considerando que teremos um ciclo eleitoral importante daqui dois anos, o cenário pode ser perigoso , trazendo volatilidade e certa insegurança no mercado.¿

O economista-chefe da MB frisa que câmbio em desvalorização pode ser perigoso se for num ritmo muito forte, pois pode ter impacto inflacionário. A conseqüência seria uma puxada mais forte do BC na taxa básica de juros. ¿Por enquanto, não nos parece haver cenário de desvalorização muito acentuada do real¿, ressalta.