Título: Desastres, recessões, apertos e quebras
Autor: Fels, Joachim
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/08/2008, Economia, p. B19
Em 50 anos, houve só uma grande queda no PIB de países da OCDE
Joachim Fels
Os riscos de recessão nas economias do G-7 estão claramente aumentando. No Japão, o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 0,6% não anuais entre o primeiro e o segundo trimestre. Na zona do euro, o PIB do segundo trimestre apresentou contração de 0,2%. E os economistas americanos continuam a prever dois trimestres consecutivos de declínio no país a partir do último trimestre deste ano.
Certamente, recessões completas em qualquer uma das grandes economias ao longo dos próximos um ou dois anos não são a nossa preocupação central - o resultado mais provável ainda é uma ampla estagnação perdurando até meados de 2009. Entretanto, um resultado pior é uma possibilidade distinta, que merece mais investigação. Para tanto, vamos examinar o que a história nos diz a respeito da freqüência, profundidade e duração das recessões, e se elas diferem quando coincidem com quedas no preço de moradias, quebras na eqüidade ou contrações no crédito.
Um relatório recente publicado pela equipe global de economia e estratégia do Morgan Stanleu ( Hedging Global Recession, de 7 de agosto de 2008) explora as melhores opções para os investidores nas várias classes de ativos, se o ciclo se revelar realmente ruim.
Neste artigo, pesquisamos os vestígios históricos das recessões. Nos baseamos principalmente em dois estudos recentes realizados pelos economistas de Harvard Robert Barro e José Ursua (Crises Macroeconômicas Desde 1870, Estudo 13.940 da NBER, abril de 2008) e pelos economistas do MIT Stijn Claessens, Ayhan Kose e Marco Terrones (O que Acontece Durante as Recessões, Apertos e Quebras?, de 5 de agosto de 2008).
O estudo de Barro e Ursua (BU) não se concentra nas recessões comuns, mas nos desastres macroeconômicos de grandes proporções, que eles definem como um declínio cumulativo de ao menos 10% no consumo per capita ou no PIB real per capita. Tais desastres foram raros nas últimas décadas, especialmente nas economias desenvolvidas, mas, ao analisarem os dados relativos ao PIB de 35 países membros e não membros da OCDE, voltando até 1870, em muitos casos eles encontram um número surpreendentemente alto de desastres econômicos.
Para ser preciso, eles contabilizam 148 dessas crises no PIB, representando a probabilidades de desastre de cerca de 3,6% ao ano. Os desastres duram em média 3,5 anos e o PIB é reduzido tipicamente em 21% acumulados durante esse período. Esses números são muito altos para o padrão atual, e é importante destacar que a maioria desses desastres aconteceu antes de 1950 e muitos estiveram associados às duas guerras mundiais e à grande depressão da década de 1930. A primeira metade do século passado mostrou uma volatilidade macroeconômica muito maior do que nos 100 anos anteriores e nos anos posteriores.
POUCOS DESASTRES
Nos últimos 50 anos, os dados de BU mostram um único desastre no PIB de um país membro da OCDE. Foi na Finlândia, entre 1989 e 1993, quando o PIB per capita caiu 12,4% acumulados, em resposta ao colapso do comércio com a ex-União Soviética, na época da desintegração desse império. Houve diversos desastres em países não pertencentes à OCDE, entretanto, alguns dos quais durante a crise da dívida latino-americana, na década de 1980, e outros durante a crise asiática, no final da década de 1990. Nada menos que 112 recessões em países da OCDE desde 1960.
A não ser no caso de guerra ou algum outro evento cataclísmico, é improvável a ocorrência de um desastre macroeconômico nas dimensões debatidas acima nas economias desenvolvidas. Entretanto, recessões normais são muito mais freqüentes, conforme nos lembra um estudo recente e detalhado elaborado por três economistas do MIT (Claessens, Kose e Terrones).
Segundo esses autores, houve 112 recessões nos 21 países da OCDE desde 1960. Além disso, eles estudam 112 casos de contração no crédito, 114 episódios de declínio no preço das moradias e 234 declínios no preço da eqüidade e as suas várias sobreposições em relação às recessões. Os seguintes resultados se destacam na análise deles: a recessão típica dura um pouco menos de um ano (3,6 trimestres, precisamente) e envolve uma queda no PIB (do auge até a sua superação) de pouco menos de 2%. As recessões mais graves, definidas como o pior quarto de todas as recessões, duram cerca de 4,7 trimestres e sua amplitude é próxima a 5% do PIB.
As contrações no crédito para o setor privado, o declínio do preço das moradias e no preço das eqüidades duram, em geral, mais que as recessões econômicas e envolvem declínios maiores do auge até a sua superação. Por exemplo, as agudas contrações no crédito (¿apertos¿) duram, em média, mais de 10 trimestres e envolvem um declínio no crédito para o setor privado, do auge até a sua superação, de 17%. Declínios agudos no preço das moradias (`quebras¿) duram 18 trimestres e mostram um declínio médio no preço das moradias próximo a 30%.
Recessões que coincidem com uma contração no crédito, um declínio no preço das moradias ou uma queda no preço da eqüidade duram mais tempo e implicam em perdas maiores para a produção do que recessões não concomitantes a tais eventos. Por exemplo, uma recessão acompanhada por uma grave quebra no preço das moradias dura 4,6 trimestres e tem amplitude de 2,6%, ao passo que recessões sem um declínio no preço das moradias duram apenas 3,2 trimestres e têm amplitude de 1,5%. Recessões acompanhadas por um aumento brusco no preço do petróleo ou um surto inflacionário são mais profundas, mas não necessariamente mais longas do que recessões desacompanhadas de tais eventos.
PERSPECTIVAS
Finalmente, é válido comparar o atual declínio dos Estados Unidos (ainda não está claro se é uma recessão) à recessão média nesse mesmo país e nos países da OCDE. Alguns pontos se destacam: em primeiro lugar, o crescimento no PIB americano, apesar de um pouco mais fraco do que o nível esperado anterior à recessão típica, seguiu um caminho semelhante. O júri ainda não determinou se os Estados Unidos vão passar por uma recessão.
Em segundo lugar, o investimento residencial americano caiu muito mais rápido do que na típica recessão nos Estados Unidos ou nos países da OCDE. Isto está claramente relacionado ao declínio nos preços das moradias americanas, muito maior do que o habitual.
O crescimento no crédito americano foi maior do que o volume típico anterior a uma recessão, mas recentemente caiu muito e agora está mais de acordo com as experiências americanas pré-recessão.
As taxas reais a descoberto caíram muito mais do que durante ou antes de recessões anteriores. Isto confirma uma afirmação que já fizemos muitas vezes antes: o Fed respondeu de maneira muito mais agressiva ao declínio no preço das moradias e à crise hipotecária decorrente do que o normal antes ou durante a recessão típica.
Da mesma maneira, a política fiscal, medida aqui pela taxa de crescimento do consumo real do governo, foi bem mais expansiva do que o habitual anterior ou durante uma recessão.
O júri ainda não deu o seu veredicto. Onde isto tudo nos deixa? Se as provas históricas são um indicativo, uma recessão - se ocorrer - poderia ser mais longa e profunda do que o habitual porque seria acompanhada, ao mesmo tempo, por um aperto no crédito e um grande declínio no preço das moradias. Além disso, o preço do petróleo e o surto inflacionário a ele relacionado também apontam para uma recessão maior do que o habitual, a julgar pelos indícios históricos.
Entretanto, há uma importante diferença em relação às recessões anteriores: a política monetária e fiscal americana tem sido muito mais proativa e agressiva em resposta aos primeiros sinas de desaceleração.
Só o tempo poderá revelar o resultado desses desenvolvimentos divergentes. No entanto, uma coisa está clara: com o barril de petróleo negociado por cerca de US$ 113 hoje, em vez dos US$ 145 de um mês atrás, a perspectiva de crescimento dos grandes importadores de petróleo é um pouco menos sombria do que antes.