Título: A agenda para o Mercosul
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2008, Notas e Informações, p. A3

Retomar a negociação de um acordo comercial com a União Européia, emperrada há quatro anos, é o item mais ambicioso da agenda brasileira na presidência temporária do Mercosul neste semestre. Ao apresentar a pauta ao Parlamento do bloco, em Montevidéu, o chanceler Celso Amorim destacou mais três objetivos: eliminar a dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC) nas transações entre sócios da união aduaneira, ampliar o apoio financeiro a empresas pequenas e médias e completar a adesão da Venezuela, ainda não aprovada pelos Congressos do Brasil e do Paraguai.

Três desses objetivos são importantes para o fortalecimento do Mercosul e para o desenvolvimento de seus sócios. O quarto, o ingresso da Venezuela, será uma fonte de problemas e um obstáculo à inserção internacional do bloco, pelo menos enquanto a política venezuelana seguir os padrões ditados pelo caudilho Hugo Chávez.

A dupla incidência da TEC é uma das aberrações do Mercosul. A tarifa é cobrada pela primeira vez quando um produto originário de fora do bloco é internado em qualquer dos quatro países sócios - Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Essa cobrança é normal numa união aduaneira. Mas uma segunda incidência ocorre quando esse produto é transferido para outro país membro. Nesse momento, a TEC se transforma numa tarifa intrabloco. Se for removida essa distorção, a presidência brasileira terá feito avançar a integração dos quatro países.

A criação de um Fundo de Apoio a Pequenas e Médias Empresas provavelmente envolverá algumas dificuldades técnicas. O objetivo - fortalecer as empresas dos sócios menores e integrá-las no comércio regional - é facilmente defensável. Mas falta descer aos detalhes do projeto, para determinar como será abastecido esse fundo, qual será a participação de cada sócio e quais serão as condições dos empréstimos.

A reabertura das conversações com a União Européia será o primeiro lance importante do Mercosul depois do fracasso das negociações da Rodada Doha. O primeiro desafio será definir o nível de ambições para um acordo comercial.

Os europeus dificilmente chegarão dispostos a oferecer, no comércio agrícola, mais do que ofereceram na rodada multilateral. Do outro lado da mesa, os sócios do Mercosul terão dificuldade, mais uma vez, para formular em conjunto as concessões na área comercial. Essa dificuldade já ocorreu nas discussões com a União Européia - foi uma das causas do impasse entre os dois blocos - e reapareceu na Rodada Doha.

Se forem reiniciadas, essas negociações serão duplamente importantes - pelos próprios objetivos e como novo teste político para o Mercosul. Se não for capaz de se articular para essas discussões, o bloco dificilmente conseguirá barganhar qualquer outro acordo relevante.

Tudo será mais difícil com a inclusão da Venezuela bolivariana. O governo venezuelano, disse o presidente Chávez sem meias palavras, só pretende entrar no Mercosul para reformá-lo. ¿Se não houver mudanças, não estamos interessados¿, informou Chávez em junho do ano passado, em Buenos Aires.

Em Genebra, por ocasião da última reunião ministerial da Rodada Doha, o ministro do Comércio da Venezuela, Willian Contreras, avisou que seu país não aceitará um acordo com os Estados Unidos, nem bilateral nem por meio de um projeto como o da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Quando um repórter lhe perguntou se o governo venezuelano vetaria um acordo, respondeu: ¿O tratado não poderá ser imposto a ninguém.¿ Traduzindo: vetará, porque um acordo de livre-comércio só pode ser adotado por todo o Mercosul.

Não tem sentido receber um sócio que chega impondo condições desse tipo e exigindo a mudança do bloco. No entanto, o chanceler Celso Amorim apresenta como um dos objetivos brasileiros a formalização do ingresso da Venezuela. ¿A entrada da Venezuela vai vertebrar a integração sul-americana¿, disse o chanceler em Montevidéu, provando que esse tipo de linguagem não é exclusividade de seu colega Tarso Genro. ¿Um Mercosul que se estenda do Caribe à Terra do Fogo terá grande peso nas relações internacionais¿, acrescentou. A avaliação é obviamente errada: o peso será da Venezuela. O Mercosul será um instrumento a mais para o presidente Hugo Chávez se promover, graças a mais um erro de cálculo da diplomacia petista.