Título: É hora de debater a agenda pós-Doha
Autor: Neto, Armando Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2008, Economia, p. B2

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) lamentou o colapso da reunião de ministros na sede da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Genebra. Para o Brasil, o fracasso das negociações multilaterais é muito negativo. A Rodada Doha é o centro da estratégia brasileira de inserção internacional e representa a melhor oportunidade para a abertura de mercados e a definição de regras estáveis para o comércio mundial.

O debate que se seguiu ao fracasso se concentrou na identificação de culpados e na previsão de cenários sombrios. Melhor do que lamentar a oportunidade perdida é identificar correções de rumo na política comercial brasileira para lidar com um maior protecionismo no comércio internacional, que prevalecerá na ausência de um acordo multilateral.

Analistas dizem que o Brasil se equivocou ao se concentrar nas negociações multilaterais, deixando em segundo plano acordos regionais ou bilaterais com mercados relevantes, que poderiam garantir melhor acesso para produtos brasileiros.

Desde meados dos anos 90, o País se envolveu em negociações de acordos comerciais com os mais variados parceiros: Alca, União Européia, Índia, União Aduaneira da África Austral (Sacu, na sigla em inglês), Egito, Marrocos, Israel e países do Conselho de Cooperação do Golfo, além da renegociação de acordos sub-regionais ou bilaterais com países latino-americanos no âmbito da Aladi.

De todas as tentativas, o único acordo de livre-comércio concluído fora da América do Sul foi com Israel, em 2007. Firmou-se também um acordo de preferências fixas com a Índia e foram concluídas as negociações com a Sacu (ambos muito limitados e ainda não em vigência). Os demais envolveram países latino-americanos e implicaram, muitas vezes, concessões assimétricas, tendo o Brasil obtido condições de acesso modestas.

Os resultados desalentadores indicam dificuldades para transitar nos acordos regionais e bilaterais. Parte delas está relacionada à dominante falta de apetite pela liberalização comercial que prevalece nos parceiros mais relevantes do Brasil. E, pior, a falta de apetite concentra-se nos setores em que o País tem evidentes interesses ofensivos: produtos agrícolas e agroindustriais.

São as mesmas dificuldades que impediram o sucesso da reunião de ministros da OMC e ameaçam jogar no limbo a Rodada Doha, além de criar crescentes dificuldades para o comércio exterior brasileiro.

A desaceleração da economia mundial e a preocupação com questões de segurança alimentar - suscitadas pela elevação dos preços internacionais dos alimentos - devem fomentar iniciativas protecionistas num ambiente de enfraquecimento da OMC.

Uma das tendências protecionistas é a introdução de normas e regulamentos técnicos e sanitários a produtos e processos produtivos. São vinculados ao comércio de produtos agrícolas e agroindustriais, mas também de produtos industriais. Tais medidas têm impactos relevantes sobre os interesses do Brasil, que deve tratá-las em todos os âmbitos possíveis.

Avançar na liberalização pela via regional é uma alternativa. A experiência recente mostra que não é fácil progredir nessa direção e, para quebrar a resistência dos parceiros em conceder em setores que nos interessam, teremos que acenar com ofertas atraentes.

Assim, é importante repensar as posições brasileiras ante os diversos temas da agenda de negociações. As sucessivas melhorias na oferta de bens industriais na OMC mostraram amadurecimento da indústria brasileira, que está disposta a fazer concessões.

A economia brasileira cresceu e se sofisticou, e as negociações comerciais não são mais apenas barganha entre tarifas industriais e tarifas e quotas de produtos agrícolas. Para atrair o interesse de mercados de dimensão relevante, temos de ajustar nossas posições em relação a outros temas, como proteção a investimentos, regras para serviços e compras governamentais, além de examinar criteriosamente questões ambientais e laborais relacionadas ao comércio. Temos de rever, ainda, procedimentos aduaneiros, eliminar burocracia e barreiras não-tarifárias que dificultam a integração do País às cadeias internacionais de valor.

Não podemos nos concentrar em tentar salvar a Rodada Doha. É desejável, mas as chances são reduzidas. O Brasil tem de atuar para evitar a paralisia sobre as demais iniciativas. É hora de debater a agenda pós-Doha.

*Armando Monteiro Neto é presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)