Título: A vitória de Angela Merkel
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Fonte: O Estado de São Paulo, 29/09/2009, Notas e informações, p. A3

A chanceler (primeira-ministra) Angela Merkel emergiu como a inequívoca vencedora das eleições parlamentares de domingo na Alemanha não apenas porque o seu partido, a União Democrata Cristã (CDU), confirmou nas urnas a liderança que lhe davam as pesquisas de opinião, mas porque a derrota histórica do Partido Social Democrata (SPD), a outra grande legenda nacional, permitirá que ela forme o próximo governo como pretendia. Assume em Berlim um gabinete de centro-direita com o Partido Liberal Democrata (FDP), como o que dirigiu o país entre 1983 e 1998, sob Helmut Kohl, e sai de cena a desconfortável Grande Coalizão entre os democrata-cristãos e os social-democratas imposta pela apertada votação de quatro anos atrás.

O resultado, depois de uma campanha excepcionalmente tediosa e de uma abstenção recorde, da ordem de 30%, indica um realinhamento das forças políticas alemãs. A CDU e o SPD perderam eleitores para outras agremiações à direita e à esquerda, respectivamente. Tanto os democrata-cristãos, com 33,8% dos sufrágios, como os social-democratas, com 23%, tiveram o seu pior desempenho desde as primeiras eleições na então recém-formada República Federal, em 1949. No caso do SPD, a perda de 11% em relação ao pleito de 2005 foi, de fato, a "amarga derrota" reconhecida de imediato pelo seu líder Frank-Walter Steinmeier, atual ministro do Exterior. Com o colapso da Grande Coalizão, ele deverá ser substituído no cargo pelo liberal-democrata Guido Westerwelle.

Também pela primeira vez o partido bávaro União Social Cristã (CSU), que opera no Parlamento coligado com a CDU, deixou de conquistar a maioria absoluta na sua região. A desconcentração do voto beneficiou, além do FDP, com seus inéditos 14,6%, a Esquerda (legenda que reúne ex-comunistas da Alemanha Oriental e dissidentes da social-democracia) e o Partido Verde. O primeiro, com 12% dos votos, ganhou 3 pontos porcentuais em comparação com a disputa anterior. O segundo, com 10,7%, cresceu 2,6 pontos. As variações traduzem nitidamente o desencanto do eleitor com a perda de identidade dos parceiros da Grande Coalizão. O esquema de concessões recíprocas os descaracterizou e impediu que nos últimos quatro anos o governo caminhasse com firmeza seja lá em que direção fosse.

A política alemã volta, por assim dizer, à normalidade, com uma situação e uma oposição claramente demarcadas, e o ressurgimento das distinções entre direita e esquerda. É pouco provável, porém, que o segundo mandato de Angela Merkel venha a representar uma guinada radical em relação ao período anterior. A mudança tenderá a ser, sobretudo, de tom e de ênfase - mais afinada com as posições de "extremo centro" da chanceler do que com a agenda pró-mercado dos liberal-democratas de Guido Westerwelle. O FDP se opôs duramente às políticas adotadas por Angela Merkel sob pressão social-democrata, como a adoção de salários mínimos setoriais e aumento dos benefícios aos aposentados.

A chanceler já se declarou contrária ao projeto de seus novos parceiros para o afrouxamento das regras que favorecem a estabilidade no trabalho. Na Alemanha, por sinal, a crise afetou o nível de emprego menos do que na Grã-Bretanha, por exemplo. Isso porque, entre outras medidas, o governo subsidiou o trabalho em meio período nas empresas, enquanto a produção industrial e as exportações caíam acentuadamente. As contas públicas, em contrapartida, registram alto desequilíbrio. O orçamento federal deverá registrar no próximo ano um déficit recorde. Isso, mais o compromisso dos democrata-cristãos com a eliminação quase total dos déficits estruturais do Estado até 2016, cria um dilema para o centro-direita de volta ao poder.

A CDU e o FDP, mais este do que aquela, são favoráveis a cortar impostos, além de simplificar o sistema tributário. Resta saber em que medida o alívio da carga será compatível com a adversa situação fiscal do país e o plano de revertê-la, ainda mais sob os efeitos da crise. Mesmo a reestruturação da economia prometida pela chanceler deverá ser temperada por sua cautela - e pela inapetência da maioria dos alemães por guinadas bruscas. Como diz um analista, ela aprendeu com Helmut Kohl a não ir longe demais ou depressa demais.