Título: Medida fere Constituição, diz especialista
Autor: Brandt,Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/09/2009, Nacional, p. A12

Advogada vê falta de "padrão claro" de juízes em sentenças ligadas à mídia

A censura ao Estado demonstra que falta uma padronização clara para o que significa liberdade de expressão e de opinião no Brasil. A opinião é da coordenadora da ONG Artigo 19 no Brasil, advogada Paula Martins. A mordaça já dura 60 dias, desde a decisão do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF), que proibiu o jornal de publicar reportagens sobre a Operação Boi Barrica da Polícia Federal, responsável pela investigação dos negócios da família Sarney.

"Não há um padrão claro e tudo depende muito do juiz que analisa a ação, o que faz com que tenhamos decisões péssimas e ótimas", afirma Paula. A Artigo 19, cujo nome faz alusão ao artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos que trata da liberdade de expressão, é uma organização sediada em Londres.

Em termos gerais, como classificar a censura ao Estado, em seus dois meses de vigência?

A decisão do juiz envolveu censura prévia e já demora muito para chegar a um termo. Sem dúvida, a proibição de divulgar informações de interesse público, que envolvem corrupção e uso de recursos públicos, fere um preceito constitucional. Os cidadãos não tiveram direito a receber informações que poderiam ser importantes. O caso do Estado é paradigmático para o que chamamos de falta de um padrão legal.

Então, a Artigo 19 constatou que não há uma padronização para casos que envolvem liberdade de expressão no Brasil?

Temos visto as mais variadas, e às vezes disparatadas, decisões, que punem desde órgãos da grande imprensa, como o Estado, até pequenos jornais, organizações como o grupo Tortura Nunca Mais e blogs. O que temos constatado é que, além da falta de um marco legal, que era a Lei de Imprensa, totalmente abolida, não há um padrão para definir a liberdade de expressão e a distinção entre essa liberdade e o direito à privacidade.

Os críticos da Lei de Imprensa dizem que a Constituição prevê a resolução dessas questões relacionadas a crimes de imprensa.

A Constituição realmente discorre sobre o tema, mas é excessivamente genérica. Aliás, até o próprio marco legal, que era a Lei de Imprensa, também não chegava a detalhes, mas era uma sinalização para alguma forma de padrão. Achamos que a lei deveria ter sido substituída e não simplesmente abolida.

O que fazer para combater esse problema?

É preciso que todos, a sociedade, o governo, o Judiciário e a academia, promovam um grande debate para chegarmos a um consenso. Caso não o façamos, teremos problemas sérios. Até mesmo a liberdade de expressão pode sofrer enormes danos no País.

Liminar do Tribunal de Justiça do DF em ação movida por Fernando Sarney proíbe o jornal de publicar dados sobre a investigação da PF acerca de negócios do empresário, evitando assim que o "Estado" divulgue reportagens já apuradas sobre o caso