Título: Censura ao Estado faz 60 dias e TJ pode julgar caso amanhã
Autor: Brandt,Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/09/2009, Nacional, p. A12

Entidades de defesa da liberdade de imprensa e OAB cobram revisão imediata da decisão

A censura imposta ao Estado pelo desembargador Dácio Vieira completa hoje 60 dias. Desde 31 de julho, quando o integrante do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) concedeu liminar ao empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), o jornal está proibido de divulgar informações sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal.

Amanhã, o novo relator do caso, desembargador Lecir Manoel da Luz, deve se manifestar e pode suspender a proibição. Vieira foi afastado no último dia 15, atendendo a recurso encaminhado pelo Estado, mas a censura permaneceu, em uma manobra jurídica contestada por diversos especialistas.

Organismos de defesa da liberdade de imprensa e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) cobram da Justiça a revisão imediata da decisão que censurou o Estado, considerada uma afronta aos direitos constitucionais do País, um retorno à repressão imposta pela ditadura e um risco para todos os órgãos de comunicação.

"A morosidade do Judiciário significa a perpetuação da violação de um preceito constitucional fundamental para a democracia, que é a liberdade de imprensa", declarou o presidente nacional da OAB, Cezar Britto. "Há casos em que o Judiciário pode e deve julgar rapidamente, sem com isso atropelar fila de processos ou privilegiar a parte interessada."

"O caso do Estadão é uma dessas situações em que o Judiciário tem de acelerar o julgamento. A censura prévia foi banida, expressamente proibida pela Constituição", disse Britto. "Já era hora de o STF tomar a iniciativa, até pela repercussão geral que o tema envolve."

NO EXTERIOR

O caso também provocou reações fora do País. A Sociedad Interamericana de Prensa (SIP) defendeu a derrubada da liminar. "Quando a liberdade de imprensa está em risco, quando está em questão o direito das pessoas de saberem, o Judiciário deveria ser mais rápido, de forma a garantir um direito fundamental da democracia, que é a liberdade de expressão", disse Ricardo Trotti, coordenador da Comissão de Liberdade de Imprensa e diretor do Instituto de Imprensa.

Outra entidade a se manifestar foi a International Federation of Journalists. "A IFJ exige pronta retificação desta medida, que pretende impedir a imprensa brasileira de informar sobre as irregularidades detectadas pela Justiça Federal, e manifesta sua preocupação porque a decisão obedeceu a conhecidos laços de amizade entre o juiz e a família Sarney."

O Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ), entidade global em defesa do jornalismo e da liberdade de expressão, também condenou a censura. O CPJ, com outras seis organizações internacionais, descreveram o caso como "inacreditável".

A Associação Mundial de Jornais (WAN) e o Fórum Mundial de Editores (WEF) chegaram a enviar carta conjunta endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedindo "ação".

Outras entidades como a Organização dos Estados Americanos (OEA), Repórteres Sem Fronteiras e Artigo 19 também consideraram a censura ao Estado um "retrocesso" para o País.

MORDAÇA NA IMPRENSA

Cronologia do caso

10/6

Estado revela a existência de mais de 300 atos secretos para criar cargos e nomear parentes de políticos para o Senado.

Conversas telefônicas comprovaram o envolvimento do presidente da Casa, José Sarney, com os atos secretos e a prática de nepotismo

18/6

A comissão de sindicância que analisa os atos secretos do Senado divulgou que detectou cerca de 650 decisões mantidas sob sigilo nos últimos anos

20/6

Reportagem do Estado revela que dois funcionários - Raimundo Nonato Quintiliano Pereira Filho e Fernando Nelmásio Silva Belforte - que trabalham na Fundação José Sarney, em São Luís (MA), são assessores do Senado

25/6

Reportagem do Estado mostra que o esquema do crédito consignado no Senado inclui entre seus operadores José Adriano Cordeiro Sarney, filho do deputado Zequinha Sarney, filho mais velho de José Sarney

16/7

A Operação Boi Barrica esbarrou em provas contra o grupo do empresário Fernando Sarney, filho de José Sarney.

A Polícia Federal divulgou que o grupo usava o poder do sobrenome Sarney para ter acesso a ministérios e estatais. Fernando Sarney foi interrogado na PF do Maranhão

22 e 23/7

Estado publica diálogos gravados entre 30 de março e 2 de abril de 2008, que mostram a articulação para a nomeação de Henrique Dias Bernardes, namorado de Maria Beatriz Brandão Cavalcanti, filha de Fernando Sarney

31/7

O desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, informa o Estado da proibição de publicar informações sobre a Operação Boi Barrica (PF)

1/8

Jornal revela que Vieira, ex-consultor do Senado, é do convívio dos Sarney e do ex-diretor do Senado Agaciel Maia. A Associação Nacional de Jornais (ANJ), outras entidades, senadores e o ex-ministro do STF Carlos Velloso criticam decisão

3/8

O líder Arthur Virgílio (PSDB) pede ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que abra sindicância contra Vieira. Para ministros do STF, juristas, advogados e promotores, Vieira contrariou a Constituição e violou a liberdade de imprensa

5/8

O advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira pede que o desembargador que censurou o Estado imediatamente se declare suspeito para tomar decisões no processo. A exceção de suspeição é protocolada no próprio Tribunal de Justiça do DF. O requerimento sustenta que há laços entre Dácio Vieira, Fernando Sarney e Agaciel Maia

10/8

Associação Mundial de Jornais (WAN) e Fórum Mundial de Editores (WEF), que representam 18 mil publicações, 15 mil sites e mais de 3 mil empresas em mais de 120 países, enviam carta a Lula e ao presidente do STF, Gilmar Mendes, criticando liminar da censura

12/8

Estado entra com mandado de segurança. O recurso tem o objetivo de garantir o reconhecimento de direito líquido e certo, incontestável, que está sendo violado ou ameaçado por ato ilegal ou inconstitucional de uma autoridade

13/8

O desembargador Waldir Leôncio Cordeiro, da 2.ª Câmara Cível do TJ, mantém censura ao jornal, ao não acolher pedido de liminar no mandado de segurança. Cordeiro deixa para deliberar após receber dados de Vieira e da Procuradoria

14/8

O desembargador Vieira conclui que é competente para julgar o processo. Caso segue para Conselho Especial do TJ. Ministro Marco Aurélio Mello, do STF, critica censura ao Estado. Entidades continuam a repudiar a censura

17/8

Mendes cobra decisão rápida sobre o caso. O advogado Manuel Alceu ingressa no TJ-DF com um novo recurso. Por meio de embargos de declaração, ele requer ao desembargador Lopes Júnior que esclareça pontos de sua decisão

21/8

Estado ingressa com nova exceção de suspeição do desembargador Dácio Vieira. A base do recurso é extraída da própria decisão de Vieira, quando ele ignorou um primeiro pedido para que se declarasse suspeito no caso

15/9

O TJ-DF declara Vieira suspeito para decidir sobre o pedido de censura. A decisão afasta o desembargador do caso. No mesmo dia foi indicado o novo relator, Lecir Manoel da Luz

REPERCUSSÃO

José Carlos Cosenzo Presidente do Conamp

"Deveria haver uma nova representação no CNJ contra o atual relator. Não se justifica que em um mandado de segurança exista essa demora"

Rose Nogueira Diretora do Tortura Nunca Mais

"Lutei no regime militar contra a censura. É uma vergonha, ofende a todos essa censura ao Estado e a demora em se julgar o caso"

Cezar Britto Presidente da OAB

"A persistência da censura sobre o jornal há dois meses e a morosidade do Judiciário em fazer valer um preceito constitucional preocupam"

Maria Aparecida Aquino Historiadora da USP

"Toda e qualquer censura tem de ser vista com desprezo. A liberdade de informação faz parte dos pilares de construção da democracia"

Ricardo Pedreira Diretor executivo da ANJ

"É lamentável que a censura esteja demorando tanto e que tenha havido censura prévia. A decisão prejudica a todos"

Maria Victoria Benevides Socióloga da USP

"Quando o Judiciário atua com esse autoritarismo seletivo de acordo com interesses políticos ilegítimos é algo catastrófico"

Sérgio Murillo Presidente da Fenaj

"A censura é escandalosa. Daqui a pouco, a gente vai acabar se acostumando com isso. Lamento o silêncio do CNJ e espero um pronunciamento do órgão"