Título: Micheletti já admite rever estado de sítio
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/09/2009, Internacional, p. A15

Medidas podem causar danos à campanha para eleição de novembro

O governo de facto indicou ontem que poderá revogar, até o final da semana, o decreto com o qual adotou o estado de sítio por 45 dias. O anúncio do presidente de facto Roberto Micheletti foi feito após um encontro com o presidente do Congresso Nacional, José Saavedra, e representantes de quatro partidos.

O grupo assinalou que o estado de sítio inviabilizaria o processo eleitoral. A eleição presidencial de 29 de novembro é a ferramenta com a qual o governo de facto pretende convencer a comunidade internacional a desistir de suas pressões em favor do retorno ao poder de Manuel Zelaya, deposto por um golpe de Estado em 28 de junho.

Ao indicar o recuo, Micheletti pediu desculpas à população pelas drásticas medidas e informou que o submeterá à avaliação da Corte Suprema e do Tribunal Superior Eleitoral e negociará com os candidatos. Dez horas antes, o governo de facto já havia determinado a invasão e o fechamento de dois meios de comunicação aliados a Zelaya: a Rádio Globo e a TV Cholusat Sur (canal 36). Também voltou atrás em sua decisão de não aplicar o toque de recolher, que voltou a vigorar entre as 22 horas de ontem e as 5 horas de hoje.

"A decisão foi tomada porque o senhor Manuel Zelaya estava conclamando à insurreição e a violência", argumentou Micheletti. "As emissoras estavam incitando à violência, o que nos deixou preocupados."

Anunciado na noite de domingo, o decreto provocou reações no Congresso, em especial dos partidos Nacional e União Democrática. O presidente do Comitê para a Defesa dos Direitos Humanos, Andrés Pavón, aliado de Zelaya, entrou com uma acusação contra o governo de facto no Ministério Público após a invasão dos meios de comunicação e apresentou à Corte Suprema uma ação de inconstitucionalidade contra o decreto.

No âmbito externo, o governo de facto também indicou um recuo. Até domingo, havia dispensado a mediação do presidente da Costa Rica, Oscar Arias, e expulsado quatro representantes da Organização dos Estados Americanos (OEA), que tentavam desembarcar em Tegucigalpa. Ontem, a chancelaria de Honduras convidou uma missão da OEA a visitar o país no dia 7.

ABRAÇO A LULA

Ontem, Micheletti afirmou à imprensa: "Quero enviar a (presidente Luiz Inácio) Lula da Silva um forte abraço, com o carinho e o respeito que temos sempre em relação a todos os países do mundo. E peço a ele (Lula) que não se preocupe porque nossa polícia e nosso Exército não vão entrar à força em sua propriedade."

Dois dias atrás, Micheletti deu um ultimato ao governo Lula para que definisse até o dia 7 o status de Zelaya, abrigado na embaixada brasileira com 60 seguidores. Os diplomatas e demais funcionários do Itamaraty também deveriam deixar o prédio e sair de Honduras nesse prazo. Com isso, Zelaya perderia a proteção conferida pela imunidade diplomática do local e estaria a sua própria sorte.

CERCO À IMPRENSA

Ontem, Tegucigalpa amanheceu sem as transmissões do programa Notícias Rádio Globo, que começa diariamente às 5 horas. Nesse momento, o prédio onde funciona a emissora foi cercado por 300 soldados. A porta foi arrombada, a tiros, e as instalações foram depredadas, segundo o jornalista Rony Martínez, que conduz o programa com David Romero. Os funcionários escaparam pulando as janelas dos fundos da rádio. O Canal 36 também foi invadido e teve seus equipamentos de transmissão retirados pelo Exército."Agora, tentamos encontrar um meio alternativo para continuar com nossas transmissões", afirmou Martínez.

Ontem, soldados montavam guarda em frente dos principais hotéis e prédios públicos. No palácio presidencial, 12 caminhões militares estavam estacionados. No centro da cidade, embora houvesse aparente normalidade, o Exército fez um cordão de isolamento em torno do Congresso e passou a controlar a entrada.

Somado à elevada presença de tropas do Exército e da polícia nos principais pontos de Tegucigalpa, o estado de sítio conseguiu ontem intimidar as fileiras da resistência, levando ao fracasso a manifestação convocada por Zelaya, do interior da embaixada brasileira. A marcha seria uma prova de força do presidente deposto no dia em que o golpe completou três meses.

A concentração na frente da Universidade Pedagógica Nacional não superou 200 manifestantes pró-Zelaya e não pôde sair na direção da Universidade Autônoma de Honduras, o ponto final da marcha.

A polícia fechou as duas saídas da rua com fileiras de sua tropa de choque e com um caminhão preparado para atirar gás lacrimogêneo e jatos d"água.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

Por que Zelaya foi deposto?

Eleito pela direita, Zelaya aproximou-se de Hugo Chávez e propôs uma consulta popular sobre a mudança da Constituição. Com isso, segundo a oposição, Zelaya procurava meios para se reeleger, o que é proibido pela Carta atual.

Por que o governo de facto rejeita negociar com Zelaya?

Para Micheletti, os militares, o Judiciário e o Legislativo de Honduras, a destituição foi consequência da tentativa de mudar a lei para permitir a reeleição - punida com a perda automática do cargo.

Como reage a comunidade internacional a esse argumento?

Para a maioria dos países, incluindo Brasil e EUA, a remoção de um presidente por meio de uma ação militar não é legítima. Além disso, a proposta de Zelaya não mencionava diretamente a reeleição.

O que a mediação propôs para acabar com a crise?

O costa-riquenho Oscar Arias propôs o retorno de Zelaya à presidência com poder limitado e a participação dos golpistas em um governo de unidade nacional. Todos os envolvidos seriam anistiados. Os dois lados rejeitaram o acordo.

Como Zelaya foi parar na embaixada brasileira?

Após duas tentativas frustradas de voltar, Zelaya entrou clandestinamente em Honduras e pediu abrigo ao representante brasileiro. Como o País o considera o presidente legítimo, aceitou tê-lo como "hóspede".

Por que o Brasil não concede asilo a Zelaya?

Brasil alega que, como presidente legítimo, Zelaya não precisa de asilo para ficar na embaixada. Na condição de asilado, ele não poderia fazer declarações políticas.

O que acontece se o governo de facto invadir o local?

Pela Convenção de Viena, a embaixada é território "inviolável". Em caso de invasão, Brasil pode entrar com queixa na Corte Internacional de Haia.