Título: G-20, reformas sem pressa
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/09/2009, Notas e informações, p. A3

A missão mais urgente do Grupo dos 20 (G-20), converter o cassino financeiro mundial num lugar respeitável, vai ser cumprida gradualmente. Só no fim de 2012 a nova ordem deverá vigorar de forma completa. Além disso, ficou para o fim do próximo ano o acordo sobre as novas normas de segurança para os bancos ? regras de capitalização, limites de operações e critérios de gestão de riscos. Também levará três anos a reforma do perigoso mercado de derivativos, onde indivíduos, empresas e instituições financeiras arriscaram e perderam bilhões num jogo obscuro e sem lei. Apesar disso, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, festejou a conclusão do encontro de cúpula de Pittsburgh, na sexta-feira, como se a conferência houvesse resultado em duras normas de controle das finanças globais.

O comunicado final endossado pelos 20 chefes de governo impressiona mais pela extensão do que pela novidade e pela ousadia das decisões. A maior parte dos pontos acordados era previsível. Os governos manterão as medidas de estímulo à economia até a recuperação se firmar. Também começarão a examinar, em breve, como será desmontado o aparato fiscal e monetário de combate à crise.

A reforma do sistema financeiro deverá incluir, como se esperava, regras novas de remuneração para os dirigentes de bancos. Executivos foram premiados com bônus, durante anos, para produzir lucros a qualquer custo e sem dar atenção a riscos. Os prêmios não serão eliminados ? seria uma tolice ?, mas dependerão dos níveis de capitalização, do desempenho e dos padrões de segurança das instituições.

A base da nova política foi traçada neste mês pelo Conselho de Estabilidade Financeira, formado por autoridades monetárias de todos os países do G-20. A aprovação da fórmula foi uma decisão sensata, mas não surpreendente. O Conselho, antes conhecido como Fórum, existe há alguns anos e congregava até recentemente só representantes de algumas economias desenvolvidas. Sua expansão foi sacramentada em abril pelos 20 governantes do grupo.

A reunião de cúpula produziu também um compromisso a favor de uma economia mundial mais equilibrada, sem desajustes muito amplos nas contas internacionais. Concretamente, o objetivo é reduzir os déficits externos de algumas grandes economias, como a americana e a britânica, e diminuir os superávits, principalmente da China e do Japão. Para isso, China e Japão terão de mudar seu padrão de crescimento, apoiado no investimento e no comércio exterior, e os Estados Unidos precisarão alterar seu padrão de consumo e controlar seriamente suas contas de governo.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, comemoraram, como era previsível, as decisões sobre a reforma do Fundo Monetário Internacional (FMI). Houve acordo para a transferência de 5% das cotas, com o correspondente poder de voto, das economias sobrerrepresentadas para aquelas com representação inferior ao seu peso relativo.

O governo brasileiro vinha reivindicando uma transferência de 7%, mas não tem por que reclamar. A fixação de uma porcentagem foi um fato político relevante, mas o processo de reforma, iniciado oficialmente em 2006, já vinha avançando. O G-20 recomendou a conclusão da mudança até janeiro de 2011, mas a diretoria do FMI já trabalhava com esse prazo. Mas o sistema continuará baseado em cotas ? como explicitou o comunicado ? e a atual fórmula de distribuição servirá de base para a atualização dos números. Mas os Estados Unidos continuarão com mais de 16% dos votos e, portanto, com poder de veto nas decisões mais importantes.

O G-20 atribuiu oficialmente ao FMI a função de analisar as políticas dos vários países para avaliar seus impactos sobre as demais. Será uma função auxiliar, assim como a tarefa de acompanhar os mercados financeiros e fazer soar o alerta em situações de risco. O monitoramento dos mercados e a emissão do alarme rápido (early warning) já haviam sido recomendados ao Fundo por seu principal organismo político, o Comitê Monetário e Financeiro Internacional, formado por 24 ministros. Se houve alguma novidade na reunião do G-20, foi o reconhecimento ainda mais claro do papel do FMI no esforço de coordenação. "Conseguimos subordinar o Fundo ao G-20", disse Mantega. De fato, o Fundo saiu fortalecido e seu principal dirigente continuará, como sempre, mantendo contato estreito e informal com os governos mais influentes.