Título: Ninguém faz superávit por hobby
Autor: Abreu, Beatriz ; Fernandes, Adriana
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/09/2009, eCONOMIA, p. B6

Paulo Bernardo: Ministro do Planejamento[br]Ministro justifica mudança da meta de superávit e diz que presidente Lula [br]pediu prioridade para o crescimento da economia

QUEM É Paulo Bernardo É ministro do planejamento Foi eleito deputado federal em 2002 e presidiu a Comissão Mista de Planos, Orçamentos e Fiscalização

A execução da meta de superávit primário (economia que o governo faz para pagar os juros da sua dívida) de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) não é "um imperativo", afirmou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. O governo, segundo ele, poderá rever a meta se houver uma avaliação nesse sentido, dependendo das condições da economia no próximo ano, como o comportamento da inflação e das taxas de juros praticadas pelo Banco Central. "Ninguém faz superávit por hobby", disse Bernardo. Em entrevista ao Estado, o ministro enumera os fatores que levaram o governo a fazer uma inflexão na meta deste ano, que poderá ficar em 1,56% do PIB.

A discussão sobre a redução da meta, também em 2010, segundo Bernardo, não é tema de conversa entre os ministros, embora ele reconheça que essa avaliação é feita "por algumas pessoas". Segundo o ministro do Planejamento, uma inflexão na política fiscal é decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estabeleceu o crescimento econômico como prioridade do governo no último ano de seu mandato. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O governo está modificando sua avaliação sobre a política fiscal?

Quando se fala em superávit deve-se registrar que os seis maiores superávits que o Brasil fez nos últimos 50 anos foram no governo Lula. Isso garantiu uma redução expressiva da dívida pública como proporção do PIB, que saiu de 50% para cerca de 38%, no ano passado, com a exclusão da Petrobrás. O superávit é feito para melhorar as condições macroeconômicas do País. Ninguém faz superávit por hobby.

Nem por hobby, nem por obsessão.

Nem por obsessão. Não é um fim em si mesmo. Não podemos falar: vamos fazer superávit doa a quem doer. Está mais do que demonstrado que se o presidente Lula não tivesse adotado medidas imediatas, ágeis, ousadas, teríamos um "débâcle" da nossa economia.

Mas houve perda de arrecadação.

O presidente definiu que nós tínhamos que abrir mão de impostos para dar um fôlego à economia. Ele dizia que os impostos seriam recuperados com o aumento da atividade econômica lá na frente. Ele falava assim: "Se nós quisermos manter posição arrecadatória nós vamos ajudar a combater o incêndio com gasolina." A partir dessa conversa, o ministro Guido Mantega (Fazenda) fez as desonerações que garantiram a manutenção e até a geração de novos empregos.

Qual foi a avaliação?

Fazer uma inflexão. Houve menor arrecadação devido à queda na atividade econômica e perda de arrecadação. A legislação tem brechas que permitem as empresas fazerem planejamento para pagar menos impostos. A empresa faz o planejamento para não registrar lucro em determinado período, mas lá na frente terá que pagar o imposto.

Sem a redução do superávit não seria possível acomodar as despesas?

Com certeza. O aumento do desemprego custou R$ 10 bilhões de seguro-desemprego. Essa não é uma despesa voluntária. É obrigatória. Ficaríamos tentando arrecadar de um lado, gastando do outro e afundando a economia nesse processo. O presidente se impressionou com o movimento de empresários, que ele classificou como uma verdadeira debandada. Ao primeiro sinal de chuva, todo mundo correu pra dentro.

Tem uma nova ordem fiscal?

Eu diria que temos uma trajetória no fiscal que permitiu a redução da dívida. Alguns profetas dizem que o governo não vai conseguir fazer uma meta de 3,3% de superávit em 2010. Pode até ser. Vamos fazer, mas se não fizermos, se tivermos alguma coisa a ser acertada, assim mesmo a relação dívida/PIB vai diminuir.

A discussão é a de que o superávit de 2010 pode ser menor.

Ninguém está falando disso no governo. Semana passada conversamos sobre este ano. Eu disse ao presidente que tinha combinado com o Guido. Aí o presidente disse: "Nós estamos fazendo uma inflexão, mas eu não quero passar a ideia de que estou promovendo uma gastança no ano que vem." A orientação que nós recebemos é que vamos reduzir impostos, oferecer crédito mais barato, ajudar a economia, manter os investimentos e os programas sociais. Estamos fazendo algumas adaptações que achamos imprescindíveis. O presidente disse que não tem problema, mas que deveria ser dito claramente que no ano que vem vamos manter nossas metas. Vocês é que estão dizendo que não vamos cumprir a meta...

É uma avaliação da postura do governo no plano fiscal.

Nós não podemos passar a ideia de que estamos despreocupados com essa questão.

Mas tem necessidade de fazer um superávit de 3,3% do PIB em 2010?

Se tiver algum motivo que leve à conclusão de que não tem, vamos fazer isso de forma transparente. Hoje, estamos trabalhando com esse nível. É um orçamento apertado, vai ser muito difícil. Se uma análise posterior mostrar que caiu a conta de juros, que a inflação está benigna, pode ser que a gente faça alguma adaptação, mas não está claro. Ninguém no governo está dizendo que não precisa fazer essa meta, que foi definida em uma decisão com o presidente da República.

Mas essa é uma discussão que está posta. Não é uma crítica.

Criticar o governo faz parte. Em um ano como este, colocar o fiscal na frente e falar que nós temos que fazer o primário custe o que custar vai custar mais caro. Vai ser pior.

Os economistas criticam a indefinição do que o governo está mirando.

O governo está mirando uma economia sólida, crescendo 5% no ano que vem. Nós podemos melhorar o fiscal mais com o aumento do crescimento da economia do que com o esforço de arrecadação ou coisa desse tipo. A prioridade para nós é a economia. É ter uma economia forte em 2010. Nós pusemos 4,5% de crescimento, mas é grande o número de pessoas dizendo que vai crescer 5%.

Se a economia crescer, o superávit pode ser maior.

Também não digo isso. Pode ser.

Mas a política não é anticíclica?

É. Podemos fazer um superávit maior ou menor. Depende da necessidade. Vamos fazer isso de maneira comedida. Este ano é um ponto fora da curva, uma inflexão que foi absolutamente correta.

Está se quebrando o paradigma do superávit?

Anteriormente, tínhamos um cenário em que o Brasil crescia em média 2% ao ano. No governo Lula, cresceu 4,1%. Nesse novo período a economia vai disparar. Repito: ninguém faz superávit por esporte.

Não é imperativo fazer uma meta de 3,3% do PIB em 2010?

Não. Não é. Se nós mantivermos a meta, vamos fazer a meta. Se o governo for convencido de que, no futuro, pode fazer um pouco mais ou um pouco menos, faremos isso de forma transparente.

Por que seria necessário fazer um superávit menor em 2010?

Por deficiência na arrecadação, dificuldades nas contas. É você quem está perguntando se pode ter um superávit menor. Pode acontecer? Pode.

A prioridade do governo é o crescimento, não o superávit.

Não tem ninguém do governo falando em mudar a meta. Pode acontecer? Pode.

Qual a previsão para a arrecadação?

A arrecadação vai crescer em 2010. Acho que tem um período em que as empresas vão ficar escondendo o ouro da gente.

Como assim, as empresas escondendo o ouro?

É o planejamento tributário. Isso que a Petrobrás fez e que virou um escândalo planetário. Um monte de empresa fez, mas só virou escândalo porque era a Petrobrás. Ela conseguiu pagar menos imposto agora, mas se der um lucro maior vai pagar o imposto.

Como vai fechar o Orçamento deste ano?

Nós estamos com uma receita baixa e com um noticiário bom sobre a economia. A impressão que eu tenho é que os ministros só leem a parte que a economia voltou a crescer. Isso é geral, os prefeitos, os parlamentares. Eles acham que a economia vai crescer e que já resolveu o problema da arrecadação. Mas não é verdade. A economia melhorou, mas a receita, não.