Título: Atitude de censurar jornal é injustificável
Autor: Assunção, Moacir
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/09/2009, Nacional, p. A13

Para cientista político, brasileiro se mostra permissivo com ataques à liberdade de expressão

O episódio da censura ao Estado demonstra, para o cientista político Humberto Dantas, conselheiro do Movimento Voto Consciente, que para boa parte da sociedade, e até mesmo do Congresso, a democracia ainda não é um valor universal, que deve ser defendido a todo custo.

"A censura é lamentável, em um país que se pretende democrático, mas onde faltam postura e atitude democráticas. O papel da imprensa é, justamente, correr atrás da informação e, uma vez obtida, publicá-la, o que torna injustificável a atitude do desembargador que censurou o jornal", disse.

Desde 31 de julho, o Estado está proibido, por decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF), a pedido do empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), de publicar reportagens sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, que investiga os negócios da família Sarney. O desembargador que proferiu a decisão, Dácio Vieira, foi afastado do caso por seus pares, mas sua decisão continua em vigor.

APATIA

Dantas considera que, para além da censura, a apatia de boa parte da sociedade em relação a episódios semelhantes ao do Estado, ocorridos em todo o País, nos quais juízes censuram jornais, representa algo grave. "Não tenho visto uma grande reação da sociedade civil, como seria de se esperar em um caso com essa gravidade. Talvez tenha gente que ache que isso está dentro da normalidade", lamentou.

Na opinião do cientista político, o que permite que abusos contra a liberdade de expressão continuem ocorrendo, mesmo em um regime formalmente democrático, é a própria cultura política do brasileiro. "No Brasil, tendemos a aceitar a verticalização do poder. O Legislativo, por exemplo, que deveria representar o povo, está sempre a reboque do Executivo e nós gostamos da frase, profundamente autoritária, segundo a qual manda quem pode e obedece quem tem juízo", afirmou.

O reflexo desse tipo de comportamento das instâncias de poder, para o pesquisador, são os baixos níveis de aprovação de políticos em geral e de instituições democráticas, em detrimento das Forças Armadas e da Polícia Federal, órgãos marcados pelo uso da força. "Embora uma pesquisa recente demonstre que o Senado ainda conta com níveis razoáveis de aprovação, seus índices são muito inferiores aos do Exército e da Polícia Federal."

O poder de Sarney no Senado, para Dantas, demonstra que a instituição vive um momento antidemocrático. "As ligações telefônicas divulgadas demonstram que há uma família que se considera dona do País, o que conspira contra a democracia", disse.