Título: Chanceler lidera uma revolução silenciosa
Autor: Miranda, Renata
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/09/2009, Internacional, p. A22

É preciso ter cuidado com prognósticos. Lembro-me de ter escrito um artigo na noite do confronto entre George Bush e Al Gore, dizendo que aquela seria provavelmente a mais entediante eleição da história americana e, na verdade, não importava quem seria o vencedor, porque ambos eram duas figuras insossas e sem carisma, e de qualquer maneira nenhum deles particularmente interessado em política externa. E então fui dormir. O resto é história: primeiro o que ocorreu com a eleição na Flórida, depois os ataques de 11 de Setembro, o Afeganistão, Iraque e assim por diante.

Mas acho que é uma aposta bastante segura dizer que após a eleição geral de hoje na Alemanha, Angela Merkel continuará no cargo de chanceler. A única questão é se o seu ministro do Exterior será o social-democrata, hoje titular da pasta, Frank-Walter Steinmeier ou o seu concorrente do partido Liberal, Guido Westervelle.

O que, na realidade, não tem importância, pois Merkel é uma mulher independente e criou sua própria política externa.

E tem sido uma revolução silenciosa. O antecessor de Merkel, o volátil Gerhard Schroeder, conseguiu manobrar para encurralar a Alemanha num canto em que o seu único amigo era a Rússia. Schroeder enraiveceu os EUA ao se opor ferrenhamente à aventura do Iraque: ajudou Jacques Chirac a dividir a União Europeia em "Velha Europa" e "Nova Europa", embora o sucessor de Chirac, Nicolas Sarkozy, obviamente quis reparar essa brecha e se recompor com americanos e britânicos; Schroeder chocou os poloneses e outros membros do Leste Europeu por sua proximidade com Vladimir Putin e a assinatura de um acordo para o gás russo ser enviado para a Alemanha pelo mar Báltico. Em resumo, Schroeder foi uma catástrofe.

Merkel tirou a Alemanha desse canto em que estava encurralada. Embora o seu relacionamento com Barack Obama não seja tão caloroso como foi sua amizade com Bush, eles têm uma relação de trabalho. Do mesmo modo, apesar de os temperamentos serem diferentes,ela e Nicolas Sarkozy compartilham a mesma visão: ambos sabem que a Europa não pode e não deve se opor aos EUA.

Quanto à Rússia, a chanceler é franca sobre a vergonhosa situação dos direitos humanos do país, ela tem dado um silencioso, mas decisivo, apoio ao projeto de oleoduto Nabucco, que trará o gás da Ásia Central para a Europa através da Turquia, passando pela Rússia.

O interessante é que Merkel conseguiu esse realinhamento sem criar um tumulto na Alemanha. O que é uma verdadeira façanha, uma vez que Schroeder foi reeleito em 2002 sobretudo por causa do apoio público à sua posição antiamericana. A eleição de Barack Obama ajudou, assim como a saída de Tony Blair. A guerra da Geórgia também contribuiu para dissipar quaisquer simpatias que os alemães ainda pudessem nutrir pelo "putinismo", e a brutal repressão dos protestos no Irã fez com que repensassem sua atitude de permanente contemporização para com os mulás e suas ambições nucleares.

Merkel prefere dançar conforme a música e não tentar mudá-la. Essa passividade pode exasperar os jornalistas, que então tendem a insinuar que ela não sabe o que ela realmente representa. Mas a chanceler sabe que sua autoridade aumenta quando ela aparenta estar acima das querelas. E, quando solicitada, está pronta para usar essa autoridade. Depois do fiasco de um ataque com foguete determinado por um comandante alemão, que matou pelo menos 30 civis afegãos que marcou a "perda de inocência alemã" (como escreveu a revista Der Spiegel) no conflito que Berlim ainda recusa a chamar de "guerra", seu discurso foi magistral. Provavelmente só ela conseguiria sair ilesa de uma situação em que persiste comprometida claramente com uma missão profundamente impopular entre os alemães de direita e esquerda.

Os próximos quatro anos serão difíceis. Prejudicada pelo legado da crise econômica, a aliança ocidental tem que fazer um progresso decisivo no Afeganistão, estabilizar o Paquistão, neutralizar o Irã e a Coreia do Norte e tentar fazer com que Rússia e China participem da ordem mundial. Se Obama falhar nesse ponto, o mundo se tornará um lugar mais sinistro. A Europa terá que, finalmente, criar uma política externa e de ampliação coesa. Nossa incapacidade para resolver conflitos mais triviais, como aqueles entre Grécia e Macedônia ou Chipre do Sul e do Norte, faz da UE um motivo de riso.

E é preciso deixar claro se estamos dispostos a apoiar nações como Ucrânia e Georgia, que estão sendo subvertidas pelo Império Putinista. Sobretudo, precisamos aproveitar a oportunidade que a presidência Obama oferece. Talvez não tenhamos nunca mais um presidente pró-europeu na Casa Branca. A Europa não pode desapontá-lo.

Em suma, acho que Merkel é a mulher certa para esses tempos difíceis. Imperturbável e segura do que acredita e defende - pró-americana e pró-europeia como ela é, Obama e o sucessor de Gordon Brown fariam bem em exigir mais dela e da Alemanha do exigem hoje.

* Alan Posener é correspondente e escritor COMENTÁRIOS