Título: La Maison: a casa dos últimos desejos
Autor: Carranca, Adriana
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/09/2009, Vida&, p. A24

Centro paliativo na França é modelo

La Maison é um lugar para morrer. Nos 24 arejados quartos, com vista para jardins e um lago de carpas, trava-se todos os dias a derradeira batalha que atemoriza os homens. Mas a proximidade do fim é encarada ali com estranha alegria. "Morrer? C"est la vie! Mas, enquanto houver vida, que se faça", diz Jean-Michel Riou, presidente da organização que administra a casa. Não faz muito, sua equipe tomou emprestado de um executivo um avião para atender ao paciente que sonhava voar pelo menos uma vez - ele morreu duas horas depois de um voo sobre Côte d"Azur. La Maison é um lugar que ensina a viver.

Na charmosa Gardanne, região da Provence, a casa recebe doentes terminais com expectativa média de vida de 40 dias. Uma vela na recepção é o único sinal de que um dos hóspedes partiu - o corpo é discretamente levado pelo corredor com acesso por um fundo falso do quarto. São duas mortes por dia e o convívio afetaria os pacientes. O que se quer é que eles vivam bem cada minuto restante.

Na adega, há 3 mil vinhos. O menu, a cargo de três chefs de cozinha, não há restrições de sal nem comida sem sabor - com os sintomas minimizados, muitos voltam a comer com prazer, respirar sem esforço e mover-se sem dor. Repete-se muito a história da atriz com um câncer terminal que viveu dois anos. Fotos dela estão espalhadas pela casa.

No restaurante, mesas internas e no jardim são compartilhadas por doentes, médicos, enfermeiros, assistentes. Ninguém veste branco. Não se sabe quem é quem, exceto por aqueles em cadeiras de rodas. Familiares e amigos se juntam ao grupo. Cada quarto tem uma cama extra e um sofá para visitantes. Se quiserem almoçar ou jantar, pagam 10 à parte.

A La Maison é um centro de cuidados paliativos público idealizado pelo médico Jean Marc no leito de morte de um amigo com aids - era o boom da doença e do preconceito. Aberta em 1994, a casa é mantida pelo governo da França. Eventos beneficentes e doações dão conta do extra. A Renault deu um carro, uma ONG ofereceu boias especiais para quem quiser sentir o mar uma última vez. Houve sonhos mais ousados. "Doutor, eu queria me sentir vivo de novo, entende?" O doutor entendeu e voltou com preservativos e uma acompanhante. "À minha última casa (...). Parto sereno e grato", escreveu Louis, em 1º de julho, no livro de visitas. Vinte dias depois, a vela seria acesa por ele