Título: Governo discute corte na meta fiscal
Autor: Abreu, Beatriz; Fernandes, Adriana;Graner, Fabio
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/09/2009, Economia, p. B6

Debate sobre redução do superávit de 2010 divide equipe econômica

A condução da política fiscal está provocando uma silenciosa queda de braço no governo, que pode sepultar de vez a fase de grandes superávits nas contas do setor público. Há dez dias, o governo enviou um projeto para o Congresso que, na prática, reduz a economia prevista para 2009. Agora, os integrantes da equipe econômica discutem uma possível redução da meta do superávit primário para o ano que vem.

Eles já até fizeram consultas informais a economistas do setor privado, para testar a reação do mercado. A hipótese que vem sem sendo testada prevê a redução da meta para acomodar a perda de receita, caso sejam aprovadas medidas como a desoneração da folha de pagamento das empresas, com a redução da contribuição ao INSS.

Mais que uma discussão sobre o tamanho da meta de superávit, o que está em debate é a possibilidade de sustentar o ajuste fiscal de 2010, em plena campanha da sucessão presidencial - mesmo levando em conta que a arrecadação deve crescer com a retomada da economia.

O debate acontece com a anuência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estabeleceu como "prioridade" o crescimento econômico, e não o superávit. Por outro lado, Lula também não quer deixar como imagem do último ano de seu mandato a moldura desgastada do quadro de responsabilidade fiscal que construiu nos sete anos de governo.

Em reunião recente com os seus ministros, Lula aprovou a proposta de nova redução do superávit primário deste ano, mas insistiu que deixassem claro que não se tratava de um descontrole nos gastos. "Estamos fazendo essas inflexões, mas eu não quero criar a ideia de gastança", disse Lula, segundo um dos participantes.

Esse foi o primeiro embate em torno do futuro do superávit. Afinal, trata-se da segunda redução da meta em menos de um ano. O superávit saiu do patamar de 3,3% para 2,5% do PIB e, agora, para 1,56%. Comunicada sem alarde, a diminuição do esforço fiscal - com o aumento dos investimentos que podem ser abatidos da meta - não foi consenso na área econômica. Incomodado com a situação, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, não quis participar da reunião com Lula.

Coube aos ministros do Planejamento, Paulo Bernardo, e da Casa Civil, Dilma Rousseff, a defesa da redução da meta. O argumento apresentado foi o de que se fosse mantida uma meta maior, o governo não teria como bancar as pressões por gastos, em um ano de forte impacto da crise.

Esse tipo de raciocínio já havia prevalecido em abril, quando o governo fez a primeira redução na meta. Na época, havia forte pressão da crise financeira sobre o governo, que cortou impostos para ajudar a indústria.

O raciocínio dos defensores da redução é que o ajuste fiscal acontecerá com o crescimento da economia. Fazer o superávit, portanto, não é mais uma questão imperativa. No limite, a conclusão é que, se for necessário diminuir o superávit, não há porque não fazê-lo.

O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, compartilha dessa tese. Cada vez mais próximo de Dilma, ele sustenta internamente que a era de grandes superávits está superada e que há condições de manter a tendência de queda da dívida pública num ambiente de juros decrescentes.

Barbosa tem feito na área técnica o contraponto ao secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, responsável pela calibragem do caixa e pela rolagem da dívida pública. Augustin segurou despesas nos últimos meses, inclusive de investimentos, e desagradou não só os outros ministros da Esplanada, mas também colegas da Fazenda e do Planejamento. E tem sido respaldado pelo seu chefe, Guido Mantega.

Para Mantega, a maior preocupação é que o Banco Central (BC) eleve a taxa de juros para brecar o impacto do aumento dos gastos, uma hipótese considerada no caso de um repique da inflação exatamente às vésperas das eleições de outubro de 2010. Na sexta-feira, o BC jogou lenha nessa fogueira ao apontar o risco do aumento de gastos reduzir o espaço para a queda da taxa de juros, a Selic. O alerta foi feito no texto do Relatório de Inflação.

De ministro apelidado de "gastador", Mantega mudou de posição com Paulo Bernardo, que até há pouco tempo era próximo do grupo que defendia uma política fiscal mais dura, capaz de levar as contas públicas ao chamado "déficit zero" (situação em que as receitas são suficientes para pagar as despesas e também os encargos com juros da dívida). A resistência manifestada agora por Mantega pode ter seus dias contados. Afinal, as pressões por gastos são crescentes e veem de todos os lados. Até mesmo o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, que administra um orçamento bilionário, defende uma inflexão da meta fiscal e reivindica maior disponibilidade de recursos para o banco financiar a retomada dos investimentos do setor privado.

QUEM É QUEM

Guido Mantega Ministro da Fazenda Recebeu o apelido de "gastador" quando assumiu o cargo, no fim do primeiro mandato do presidente Lula. Agora faz restrições a um afrouxamento da política fiscal. Não quer pôr em risco as conquistas da economia. Tem repetido que, em última instância, é o responsável pela qualidade da meta de superávit que vai entregar ao sucessor. Fiel a Lula, ele não será, porém, um empecilho qualquer que seja a decisão a tomar no Planalto.

Paulo Bernardo Ministro do Planejamento Integrante do grupo dos "fiscalistas", ao lado do então ministro Antônio Palocci (Fazenda), no início do governo Lula, e defensor do déficit zero até o agravamento da crise financeira, Bernardo agora quer reduzir o superávit para aliviar as pressões por gastos. É homem de confiança da pré-candidata do PT ao Planalto, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Arno Augustin Secretário do Tesouro É um dos que resistem à ideia de afrouxar a política fiscal. Pela própria natureza do cargo, sua maior preocupação é com a sustentabilidade da dívida pública, cuja administração. É quem controla as contas na "boca do caixa". Para evitar repetidos déficits mensais nas contas do governo, ele tem segurado despesas e desagradado aos ministros da Esplanada.

Nelson Barbosa Secretário de Política Econômica Diverge de Arno Augustin. Com a saída de Bernard Appy do governo, ampliou o espaço de influência na formulação das políticas econômicas. É próximo à ministra Dilma Rousseff e defensor da redução da meta para abrir espaço para a desoneração da folha de pagamentos. É cotado para assumir o cargo de assessor econômico de Dilma na campanha presidencial.

Luciano Coutinho Presidente do BNDES É um dos responsáveis pela formulação das principais políticas econômicas. Obcecado em aumentar a taxa de investimento do País, negocia novo funding para o BNDES - já teve um empréstimo de R$ 100 bilhões concedido pelo Tesouro. Defende que o dinheiro do FAT já não é mais suficiente para o tamanho do banco e as necessidades de financiaento do investimento do País. Acha que o crescimento faz o ajuste.