Título: Crise dá trégua e já falta mão de obra
Autor: Rehder, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/09/2009, Economia, p. B10

Retomada do crescimento agrava falta de trabalhadores qualificados

A retomada da economia agravou o problema da escassez de mão de obra treinada no mercado, considerado um dos gargalos mais sérios e objetivos que o Brasil deverá enfrentar nos próximos anos. Apesar de existência de quase 2 milhões de desempregados apenas nas seis principais regiões metropolitanas do País, faltam profissionais especializados, sobretudo em setores estratégicos, como petróleo e gás, construção civil e agronegócio.

Empresas e governo correm para se antecipar a uma demanda que vai ficar cada vez maior e investem na formação e treinamento de pessoal. A exploração das jazidas de petróleo e gás na área do pré-sal, por exemplo, torna ainda mais difícil a busca por profissionais qualificados.

Com base no plano de negócios da Petrobrás, que prevê investimentos de US$ 174 bilhões até 2013, anunciado em março pela estatal, o Programa de Mobilização da Indústria Nacional do Petróleo e Gás (Prominp) estima que será necessário qualificar mais 285 mil profissionais nos próximos três anos.

Esse número, porém, deverá ser revisto para cima, pois apenas um pedaço do pré-sal está previsto no horizonte de investimentos até 2013.

"O pré-sal ainda está no início e certamente a quantidade de profissionais que vamos ter que qualificar para o pré-sal como um todo é um número maior", diz o assessor da setor de qualificação profissional do Prominp, Guilber Dumas de Souza.

O Prominp é um programa do governo federal que visa à formação de pessoal para trabalhar nas empresas que atuam em conjunto com a Petrobrás na exploração de petróleo e gás. Esses profissionais são preparados para atender à crescente demanda por mão de obra qualificada em empreendimentos como construção de navios e plataformas, construção e ampliação de refinarias, gasodutos e estações de compressão de ar, além da manutenção das operações do setor.

"Se não tivermos esse pessoal qualificado, teremos gargalos sérios nesses empreendimentos todos e na produção de equipamentos, como atrasos e problemas de qualidade", observa Souza. "A variável pessoas qualificadas é fundamental para alcançar os objetivos estabelecidos pela Petrobrás."

O cenário não é muito diferente na construção civil, cuja atividade não sofreu tanto impacto da crise financeira mundial como outros setores mais afetados, como a indústria de transformação. A demanda das construtoras por mão de obra especializada vai ficar cada vez maior para atender ao programa de habitação popular Minha Casa, Minha Vida, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e as obras para a Copa do Mundo.

"Há escassez de pessoal qualificado de todos os níveis disponíveis hoje no mercado", diz o vice-presidente de Relações Capital Trabalho do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), Haruo Ishikawa. "A saída tem sido contratar profissionais que estão no setor informal ou trabalhadores não especializados para serem qualificados no próprio canteiro de obra."

VALORIZAÇÃO

As construtoras, no entanto, deparam-se com outro problema. Sob a regência da lei da oferta e da procura, o trabalhador qualificado passa por um momento de valorização que abre espaço para aumento de salários e melhoria das condições trabalhistas. Os sindicalistas não pretendem deixar passar em branco essa oportunidade.

"Queremos um reajuste salarial antecipado de 4% em novembro" , diz o presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo, Antônio de Sousa Ramalho. A data-base para renovação da convenção coletiva de trabalho da categoria é 1º de maio. É nessa ocasião que os salários da categoria são reajustados.

Nas usinas de açúcar e álcool, a mudança de conceitos técnicos e ambientais na agroindústria da cana-de-açúcar gerou forte demanda por mão de obra especializada, que agora está em falta no mercado. A legislação ambiental proibiu a instalação ou ampliação de usinas cuja colheita não seja mecanizada. Até 2014, todas serão obrigadas a eliminar as queimadas, substituindo a colheita manual pela mecanizada.

"Os cortadores de cana que migravam de diversas regiões do País, principalmente do Norte e Nordeste, estão sendo substituídos por pessoal qualificado para operar as máquinas, que está em falta no mercado" , diz o consultor empresarial e diretor executivo do Grupo de Estudos em Recursos Humanos na Agroindústria (Gerhai), José Darcio Ruy. "É uma mão de obra tão difícil de encontrar hoje como agulha no palheiro."

Uma colheitadeira com todos os seus periféricos, como tratores e transbordo, ocupa cerca de 16 pessoas. Dependendo do tipo de cana e da topografia, uma máquina substitui até 80 homens. A mecanização, contudo, contribui para a redução dos danos ambientais causados pelas queimadas, como o empobrecimento do solo, a morte de animais silvestres e o aumento do efeito estufa.

"As usinas já se conscientizaram de que é muito mais barato treinar e valorizar a sua própria mão de obra do que tirar um operador de máquinas do vizinho, porque nesse caso ele vai ter que pagar mais", diz o consultor.

BUSCA DIFÍCIL

A escassez de profissionais especializados está se generalizando. Em São Paulo, o Centro de Apoio ao Trabalho (CAT), mantido pela prefeitura da capital no bairro da Liberdade, região central da cidade, está com quase 500 vagas abertas há vários meses. O principal motivo é a falta de candidatos qualificados. Não faltam PhDs, mas falta pessoal para funções básicas, como soldador ferramenteiro, serralheiro, operador de retroescavadeira, oficial de manutenção predial , mecânico de refrigeração e até padeiro e açougueiro.

Para técnicos do CAT, as pessoas mais experientes já estão empregadas e os jovens ou não estão qualificados ou não se interessam por essas vagas. Em muitos casos, as empresas acabam flexibilizando as exigências.