Título: A sabatina de Toffoli
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/09/2009, Notas e informações, p. A3
Se tiverem algum compromisso com o interesse público, como a Constituição exige de quem exerce um mandato parlamentar, os integrantes da Comissão de Constituição e Justiça do Senado terão, ao sabatinar na sessão de hoje o nome indicado pelo presidente da República para o Supremo Tribunal Federal, o advogado José Antônio Dias Toffoli, de levantar duas questões de fundamental importância para o futuro do Judiciário.
Já mencionada por nós quando da indicação do atual chefe da Advocacia-Geral da União, a primeira questão é de natureza técnica. Trata-se de saber se ele atende ao requisito constitucional de notório saber jurídico. Como em quase 20 anos de carreira jamais produziu um único artigo doutrinário digno de nota, não fez pós-graduação e sempre atuou a serviço de uma agremiação política, tendo sido o principal advogado do PT nas campanhas presidenciais de 1998, 2002 e 2006, Toffoli é, sem dúvida alguma, dos sete ministros já indicados por Lula, desde 2003, o que tem o currículo mais exíguo, em termos acadêmicos, e menos adequado para o cargo, em termos profissionais. Além disso, já foi duas vezes condenado pelo Tribunal de Justiça do Amapá.
No caso, esta questão da reputação ilibada nos parece de menor importância. A questão do notório saber jurídico é também de natureza ética, pois envolve a autoridade moral do próprio Supremo, que tem a palavra final sobre qualquer aspecto da vida dos cidadãos brasileiros. Trata-se de saber se é possível chegar ao ápice da carreira, na magistratura, quem nela não conseguiu ingressar pelo princípio do mérito, por meio de um concurso público. Se Toffoli foi duas vezes reprovado quando disputou uma vaga de juiz de primeira instância, entre 1994 e 1995, como poderá ser respeitado como ministro por advogados, procuradores e, principalmente, pelos próprios colegas de tribunal? Em outras palavras, como pode chegar ao topo quem não teve competência suficiente para subir os degraus da hierarquia judicial?
O mais grave é que os escalões do Poder Judiciário, inclusive o Supremo, já deixaram clara sua posição com relação a esse fato quando, há alguns anos, por duas vezes, a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tentou indicar como desembargador para o Tribunal de Justiça de São Paulo, pelo chamado "quinto constitucional", um bacharel que havia sido reprovado em concursos para a magistratura estadual. Alegando que as reprovações caracterizavam ausência de notório saber jurídico, o órgão especial do TJSP devolveu a lista sêxtupla à OAB/SP, que imediatamente entrou com um mandado de segurança no Supremo.
Ao julgar o caso, em abril de 2008, o Supremo endossou a iniciativa dos desembargadores paulistas e rejeitou o recurso impetrado pela OAB/SP. Por ironia, o relator do mandado de segurança foi o ministro Carlos Alberto Menezes Direito, recentemente falecido, e para cuja vaga o presidente Lula indicou o chefe da AGU.
Em seu voto, Menezes Direito afirmou expressamente que o órgão especial do TJSP, ao exigir saber jurídico de candidatos à cadeira de magistrado de instância superior, apenas cumpriu o que a Constituição expressamente determina em seu artigo 101. Na ocasião, entidades de advogados ainda alegaram que o conceito de notório saber jurídico é um critério subjetivo, dependendo de quem o avalia. No Supremo, contudo, prevaleceu a tese de que esse critério é objetivo e de que reprovação em concurso para juiz de primeira instância configura, sim, ausência de devida qualificação técnico-jurídica para ascensão aos escalões superiores da carreira.
Temendo que suas escassas credenciais técnicas inviabilizassem sua ascensão ao STF, Toffoli, desde que foi indicado por Lula, procurou compensar a falta de saber jurídico recorrendo à mobilização política. Nunca antes na história do Judiciário brasileiro se viu um candidato à mais alta Corte fazendo campanha em centros acadêmicos, órgãos corporativos e entidades de classe para ascender a um órgão cuja autoridade repousa, basicamente, na qualificação, na experiência profissional e na isenção de seus integrantes. E, graças ao avassalador poder político do seu patrocinador, com amplo sucesso, ao que parece.
Infelizmente, é pouco provável que o Senado cumpra o seu dever.