Título: Mendes cobra governo por vazamento seletivo de dados
Autor: Macedo, Fausto
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/09/2009, Nacional, p. A8

Em ofício a Tarso, presidente cita 9 casos que caracterizariam tentativa de agentes da PF e do Ministério Público de submeter juízes a seus objetivos O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, cobrou o governo sobre resultados de inquéritos abertos para apurar supostos abusos a partir de "vazamento seletivo de informações protegidas por segredo de Justiça, de forma a propagar aleivosias e suspeitas fabricadas". Em ofício ao ministro da Justiça, Tarso Genro, Mendes enumera nove ocorrências que, segundo ele, caracterizam "finalidade de acuar e intimidar magistrados para que não contrariassem, mas se submetessem aos desígnios de agentes que desonram a Polícia Federal e o Ministério Público".

O questionamento é extensivo ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, chefe do Ministério Público Federal. "Diversos foram os casos em que tal procedimento ficou patente, revelando que havia método na aparente insensatez", assinala o ministro.

O ministro cita um caso em que ele mesmo foi alvo. Seu nome teria sido divulgado pela PF, em 2007 - durante a gestão do delegado Paulo Lacerda -, como beneficiário de brindes da construtora Gautama. O investigado era Gilmar de Melo Mendes, ex-secretário da Fazenda de Sergipe. "A informação foi divulgada de modo a induzir a confusão de homonímia."

Registra, ainda, casos em que foram vítimas dois ex-ministros da corte, Sepúlveda Pertence e Carlos Velloso, e a desembargadora Cecília Mello, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, todos citados de "forma irresponsável". "Mais uma vez fica nítido o modus operandi. Desacredita-se o magistrado que não se revele disposto a abrir mão de sua independência ao decidir."

"O padrão de atuação de certos agentes públicos, em associação, resume-se ao monitoramento e ao vazamento distorcido à imprensa de conversas descontextualizadas, sem a devida investigação e sem corroboração dos fatos nelas supostamente narrados", observa o ministro. "O resultado é a comprovação da falsidade das conclusões que tais agentes fizeram apressadamente chegar aos meios de comunicação."

Segundo Mendes, juízes que não se curvassem às pretensões dos investigadores "passavam à avaliação de corruptos e, na sequência, tinham seus nomes temerariamente vinculados a fatos inverídicos ou a episódios completamente desvinculados de suas vidas pessoais ou profissionais".

ESTADO POLICIAL

Para o ministro, "não é de se estranhar que tal estado de coisas produziria, com o passar do tempo, anomalias sistêmicas, como as situações em que juízes, considerando-se sem qualquer liberdade para decidir, submetem-se ao subsistema em que os papéis daqueles que atuam na persecução penal não são apenas invertidos, mas igualados, em perigoso movimento no sentido da criação de um Estado policial".

Esses exemplos, avalia, demonstram "as reiteradas tentativas de desacreditar o Poder Judiciário" e suas decisões. Ele afirma que isso atenta contra a ordem jurídica e o regime democrático, "cuja defesa a Constituição atribuiu ao Ministério Público".

Mendes sustenta que tais episódios "revelam a tentativa de estabelecer estrutura de intimidação e atemorização, sobretudo por meio de sórdidas acusações nos meios de comunicação com a finalidade de submeter magistrados aos propósitos de policiais federais desgarrados dos princípios que regem as nobres funções que lhes são confiadas".

O presidente do STF, então, requer informações quanto ao andamento das investigações. "Neste contexto é imperioso o acompanhamento regular das apurações de fatos que, como estes, apontam nitidamente para tentativas de intimidação de magistrados, compatíveis apenas com um Estado policial."

De acordo com Mendes, "fica evidenciada a nítida pretensão de contornar as garantias do Estado Democrático de Direito, criando-se indevidamente um subsistema em que se considera natural e desejável julgar e punir sumariamente através da imprensa".

Ele faz uma advertência. "Este subsistema busca legitimar-se na opinião pública que, inadvertidamente, acaba por aplaudir a punição sumária, revelando-se perplexa, ao final, e creditando ao Judiciário a responsabilidade pela subsequente e inevitável demonstração de inverdade dos fatos irresponsavelmente divulgados, o que é levada a confundir com impunidade."

O ministro identifica um "perigoso movimento" que ameaça conquistas obtidas na construção e consolidação do Estado de Direito. "Basta deste modelo que não interessa a uma sociedade democrática e justa."