Título: Fiquei chocado. Esperava que saneassem o abuso
Autor: Gallucci, Mariângela
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/10/2009, Nacional, p. A10

Entrevista - Antonio Claudio Mariz de Oliveira: advogado; criminalista diz que censura ao jornal é "uma violência" e critica demora para suspender "decisão arbitrária"

"Todos esses atos foram praticados por autoridade incompetente. Tinha de cair tudo, inclusive a censura, obviamente", declarou o advogado Antonio Claudio Mariz de Oliveira.

Criminalista com cinco décadas de atuação nos tribunais, Mariz revela inconformismo com os rumos que a ação tomou no Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Na avaliação dele, a censura é "uma violência".

Mais indignado ele fica ao comentar sobre o longo período em que a mordaça prevalece - imposta no dia 31 de julho pelo desembargador Dácio Vieira, do TJ-DF.

Ontem, o julgamento realizado no tribunal do Distrito Federal foi acompanhado com ansiedade por Mariz. Ao saber do resultado, declarou-se "chocado".

É correta a decisão do tribunal do Distrito Federal, que mandou transferir os autos para o tribunal do Maranhão?

O que agrava a decisão de hoje é o fato de que o TJ-DF poderia ter reconhecido sua incompetência. Isso teria impedido o alargamento do período de censura. Já poderiam de cara ter dito: não somos competentes. Desde a primeira decisão, do primeiro desembargador, a incompetência deveria ter sido reconhecida. Se não foi pelo desembargador que determinou a censura, deveria ter sido por aquele que recebeu os autos no processo de suspeição. A decisão judicial tomada pelo desembargador afastado, por si só, já representava uma ingerência indevida do Judiciário no exercício de um direito garantido pela Constituição, o direito à liberdade de imprensa. E agora, ao invés de o Judiciário, por meio do tribunal do Distrito Federal, por um fim à violência cometida anteriormente, decide manter essa agressão.

Onde começou o erro?

O erro, muito grave, já se deu logo no início da demanda, com a imposição de censura. E se agrava na manutenção da proibição, uma medida inconstitucional mantida por meio de decisão de caráter meramente formal. É medida que não acolhe de modo algum os anseios da sociedade brasileira no sentido de ver o jornal da envergadura do Estado livre das amarras de decisão arbitrária.

São mais de 60 dias de mordaça. Como o sr. avalia?

Fiquei chocado com a decisão em si. Esperava que a consciência jurídica e democrática da magistratura do Distrito Federal saneasse o abuso cometido. Mas isso não ocorreu para aumento do meu espanto e da minha decepção.

Quando o desembargador Dácio Vieira foi declarado suspeito a censura não foi afastada. É normal na rotina forense?

É uma grande incongruência, difícil de ser entendida. Uma vez declarada a suspeição do juiz, suas decisões devem ser automaticamente atingidas e tornada nulas. Não se pode compreender que neste caso essa regra não tenha sido aplicada.

O TJ-DF diz que não é competente. Ainda assim manteve a censura. Como é possível?

Na mesma esteira do abuso que marca a manutenção da censura quando o juiz foi declarado suspeito, o TJ-DF, ao dar-se por incompetente, deveria ordenar imediatamente a suspensão dessa proibição. Também nula é a decisão do órgão do Judiciário que não se considera competente para determinado caso. Ora, se é incompetente, a decisão é nula.

Se a censura é inconstitucional como pode ter partido do próprio Judiciário?

O que preocupa nesse episódio é que desta feita o Judiciário está sendo instrumento de uma violência que se imaginava abolida no País. Uma agressão que era cometida nos regimes de exceção, mas jamais no regime onde se imaginava vigorar a plena democracia.

A Associação Nacional de Jornais apurou 12 casos de censura judicial nos últimos dois anos. A liberdade de imprensa está sob risco?

Preocupa a possibilidade de essa censura adquirir um caráter exemplar no sentido de influenciar outros órgãos do Judiciário a acolherem postulações que tenham o mesmo objetivo de amordaçar a imprensa. Há outro fato que mais agrava a situação: a demora que os advogados do jornal terão de suportar para ingressarem com medidas cabíveis contra a decisão do TJ-DF. As atividades do Judiciário se revestem de burocracia revoltante que, no entanto, devem ser cumpridas até que haja a publicação desta mesma decisão.