Título: Por enquanto, juntar reservas
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/10/2009, Notas e informações, p. A3
A Turquia poderá ser o berço de um novo FMI, segundo o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn. A reunião anual, que está sendo realizada em Istambul, deve consagrar uma atividade mais voltada para a promoção do equilíbrio global, um objetivo fixado pelo Grupo dos 20 (G-20), em Pittsburgh, no fim de setembro. Para cumprir esse novo papel, a equipe do Fundo começa mandando um recado aos emergentes: em vez de acumular grandes volumes de dólares, confiem no FMI e procurem ajuda em caso de problemas. O governo chinês é obviamente o principal destinatário da mensagem. A China tem reservas equivalentes a cerca de US$ 2 trilhões e vem acumulando, ano após ano, um superávit enorme no comércio com os Estados Unidos e com a maior parte dos países desenvolvidos. Mas a recomendação vale também para outros países emergentes da Ásia e da América Latina, incluído o Brasil, hoje com cerca de US$ 220 bilhões em caixa.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, declarou-se disposto a apoiar a ideia se algumas condições forem observadas. O FMI terá de ser de fato uma espécie de banco central internacional, com recursos facilmente acessíveis, sem complicações burocráticas e sem negociação de condições para atender os sócios em caso de necessidade. Seria preciso estabelecer previamente a qualificação dos países autorizados a obter esse tipo de financiamento.
A resposta de Mantega é essencialmente correta. Sem essas condições, não vale a pena o governo brasileiro renunciar à acumulação de reservas. O volume de moeda estrangeira em poder dos bancos centrais foi um importante fator de segurança para o Brasil e para outros países sul-americanos durante a crise. Esse fato foi reconhecido pelo FMI e mencionado no Panorama Econômico Mundial de outubro, divulgado na quinta-feira. Além disso, comentando a acumulação de reservas pelos países da Ásia, dirigentes da instituição mencionaram explicitamente a preocupação com segurança, na região, depois da crise de 1997.
Quando se leva em conta apenas a teoria e se deixam de lado os fatos do mundo imperfeito, é mais fácil aceitar a proposta do FMI. Acumular reservas envolve custos. Além disso, não há por que juntar um monte de moedas fortes quando se pode recorrer a um fundo financeiro comum, orientado para funcionar como emprestador de última instância bem provido de recursos. Além disso, um pequeno déficit na conta corrente do balanço de pagamentos pode ser vantajoso para um país em desenvolvimento. O financiamento recebido como contrapartida reforça a poupança disponível para investimento produtivo. Com isso o crescimento econômico se acelera.
Na prática, esse esquema tem funcionado em muitas ocasiões e o Brasil dele se beneficiou em alguns períodos. Mas ninguém pode apontar com segurança o limite aceitável para o déficit na conta corrente do balanço de pagamentos. Também não é fácil impedir a ampliação desse déficit em certas circunstâncias. Além disso, os banqueiros têm o costume de se retrair quando um país precisa de recursos para enfrentar um problema nas contas externas. Os cavalheiros do mercado financeiro aproveitam a situação para lucrar com a especulação cambial, enquanto a maior parte das famílias sofre com os efeitos inflacionários e o governo é forçado a um ajuste penoso das contas públicas. O recurso ao FMI nem sempre tem proporcionado soluções confortáveis, embora possa acabar sendo inevitável.
Mas o Fundo já começou a mudar. México, Polônia e Colômbia estrearam a linha de financiamento flexível criada recentemente e reservada a países com reputação de seriedade fiscal (o Brasil adquiriu essa imagem há poucos anos). O acesso é fácil e os governos não têm a obrigação de cumprir metas negociadas. Também houve mudanças na administração de outras linhas de crédito. Nestas, ainda é necessário negociar e os governos se comprometem a atingir certas metas. Mas os programas e critérios são mais flexíveis e mais adaptáveis às condições de cada país. Os 15 programas postos em prática desde outubro do ano passado para alguns emergentes têm essas características e, na maior parte, parecem ter produzido resultados apreciáveis. Mas a transformação apenas começou e, por enquanto, melhor é confiar em um bom volume de reservas.