Título: Plano de saúde e política
Autor: Mendonça, Antonio Penteado
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/10/2009, Economia, p. B5

Já faz um certo tempo, tentaram usar os planos de saúde privados como ferramenta de alavancagem eleitoral. Evidentemente, como não poderia deixar de ser, o tiro saiu pela culatra, principalmente porque a lei votada foi um desastre de tal tamanho que o candidato supostamente beneficiado preferiu emudecer a respeito dela.

A eleição do ano que vem, pelo que se vê até agora, será uma corrida selvagem, sem ética e sem princípios, exceto a velha máxima de que em eleição a única coisa feia é perder.

Apesar dos candidatos não estarem oficialmente definidos, a campanha já está nas ruas, com golpe baixo atrás de golpe baixo, todos querendo ficar bem na foto, de preferência ao lado de velhos ícones que fizeram deste país a imensa contradição que até hoje nos cobra um preço absurdo.

De forma pouco clara, mas que custou muito caro, o Brasil mudou de cara. Nos últimos anos nos transformamos num outro país, sério, cônscio de seus deveres e obrigações, disposto a pagar o preço certo, ainda que elevado, para mudar de patamar.

Ao que parece, pelo menos até agora, vamos conseguindo. Já somos outro país, prestes a entrar no mundo civilizado pela porta da frente, orgulhosos de nossas conquistas e sabendo que elas não são fruto de um governo, mas da vontade soberana da nação nos últimos 15 anos.

O problema é que existe uma enorme diferença de evolução entre a nação e seus políticos. Enquanto a sociedade brasileira amadureceu, evoluiu e descobriu as vantagens do progresso, parte importante de nossos homens públicos continua amarrada a velhos dogmas da década 1950 e às formas de fazer política daquele tempo.

Quer dizer, em nome das eleições e da manutenção do poder a qualquer preço, alguns de nossos candidatos estão dispostos a dilacerar a nação, jogando pela janela o conquistado com muito esforço desde a implantação do Plano Real.

Por conta disto e da demagogia barata atrelada a este modo de fazer política, os planos de saúde privados, hoje responsáveis pela maior parte do dinheiro investido em saúde pública no País, podem se transformar num enorme engodo, servindo de isca para votos, enquanto, do outro lado, perdem sua eficiência como ferramenta de política séria de saúde pública.

Não é possível permitir a instalação de um quadro destes. A sociedade deve se insurgir contra medidas demagógicas que ameacem o sistema privado de saúde.

O duro é que as ameaças já começam a pipocar. Os discursos sobre a necessidade de cobrar dos planos privados o atendimento de seus clientes pela rede pública não só fere a Constituição, como mostra o absoluto desconhecimento da realidade da saúde no País ou, o que é mais grave, a falta de vontade de ver a verdade.

Além deles, e mais ameaçadores, são as centenas de projetos de lei propondo a mudança para pior da lei dos planos de saúde privados que infestam as gavetas do Congresso.

Os planos de saúde privados estão longe de ser a panaceia seja lá para o que for. Com certeza não são eles que carregam nas costas o piano do atendimento do grosso da população. Quem faz isso são os grandes hospitais públicos e universitários. Da mesma forma, não são eles os responsáveis pela implantação de políticas de erradicação e prevenção de doenças em todo o território nacional.

Mas foram eles que viabilizaram o país ter uma rede de hospitais de primeiro nível, comparados ao que existe de mais moderno em qualquer outro canto do mundo. Também são eles que desafogam as filas do SUS, permitindo que o governo atenda os mais necessitados, enquanto eles geram empregos no setor privado, abarrotando os hospitais e laboratórios com seus milhões de clientes.

Não é hora de brincadeiras. Eleição é coisa séria, ainda que tendo gente que não ache. O País não tem condições de manter uma política eficiente de saúde pública sem a ajuda inestimável dos planos de saúde privados. Governar, antes de tudo, é ter noção das prioridades. É por isso que não dá para vacilar neste assunto.

*Antonio Penteado Mendonça é advogado, sócio de Penteado Mendonça Advocacia, professor da FIA-FEA/USP e do PEC da Fundação Getúlio Vargas e comentarista da Rádio Eldorado.