Título: Medida cautelar
Autor: Kramer, Dora
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/10/2009, Nacional, p. A10

O lance da troca de domicílio eleitoral de Ciro Gomes não é definitivo, mas é claro: o presidente Luiz Inácio da Silva se move na posse da banca e esconde o jogo até o último momento. Vale dizer, até o esgotamento dos prazos legais e a data marcada pelo adversário para dar a partida.

O deputado não precisaria mudar o registro do título de eleitor do Ceará para São Paulo nem para parte alguma se seu plano, como diz ser a sua preferência, fosse a candidatura presidencial. Ou se fosse a preferência dele que comandasse o espetáculo.

Ciro, aliás, sempre disse que uma coisa era sua escolha pessoal, outra a conveniência do partido. Faltou acrescentar que o que vale mesmo é a ordem unida de Lula.

Pois bem, se mudou o domicílio é porque joga com o Planalto, o que também já deixou patente, para o que der e vier: candidatura ao governo, a vice de Dilma Rousseff, a presidente no lugar dela, ou ocupando um palanque presidencial alternativo com o apoio de Lula para fazer a cena em que um morde e o outro assopra o adversário.

Quem morderia seria Ciro e Dilma assopraria com a delicadeza já afamada. Considerando que no campo oposto há também um mordedor (José Serra) e um assoprador (Aécio Neves), o espetáculo, nessa conformação, promete valer o ingresso.

Seja qual for a opção de Lula adiante, a jogada da mudança de domicílio eleitoral de Ciro Gomes deixa as coisas até lá em suspenso. E aí elas começam mais a combinar com o raciocínio do presidente segundo o qual candidato lançado com antecedência é candidato a morrer na praia. Vítima de toda sorte de queimaduras.

Qualquer coisa pode acontecer e tentar antecipá-las é um exercício de impossibilidade pura. Pelo simples fato de que as decisões dependem das circunstâncias, reféns do imponderável. Isso nos âmbitos nacional e regional. Note-se uma frase dita pelo governador de Pernambuco e presidente do PSB, Eduardo Campos, no dia do anúncio: "Não estamos discutindo a candidatura ao governo estadual e sim a pré-candidatura de Ciro a presidente. O fato de ele ir para São Paulo vai levar o debate para lá."

"Lá" não é, no entendimento de Campos nem de Ciro, o centro ideal para as decisões, pois ambos são partidários da tese de que a política está excessivamente concentrada nos paulistas.

"Lá" é maior colégio eleitoral do País, o eixo do PT, a base do principal candidato da oposição, o Estado mais complicado para Lula, que precisa urgentemente tomar uma providência para enquadrar a turma que comanda a máquina partidária sob a liderança de Marta Suplicy.

Fio terra

Uma vitória da articulação e da competência nos preparativos, a escolha do Rio é excelente notícia para o País todo. Não só pelo gosto de chegar lá, de sediar a primeira Olimpíada na América do Sul, da projeção internacional que trará, dos resultados internos que produzirá.

Melhor que tudo é o sentido de responsabilidade, do compromisso com a realização pela via do esforço, do investimento e do planejamento - de probidade também, esperemos - a que o Brasil terá de fazer frente.

Mal entendido

Alguns leitores escrevem para reclamar das "críticas" ao novo ministro do Supremo Tribunal Federal, José Antonio Toffoli, no artigo de ontem, que, se lido com a atenção devida - ou escrito com mais clareza -, permite a percepção de que as críticas são dirigidas ao Senado e não ao advogado. A começar pelo título: Toffoli 10, Senado 0.

Em miúdos: com ele, ou qualquer outro, o Senado não cumpre a tarefa de escrutinar o saber, a reputação e a independência do indicado. Trata indicações - não apenas ao STF, mas às agências reguladoras também - como questões políticas ou assunto de ordem pessoal.

Como se a sabatina rigorosa denotasse falta de educação, ou pudesse representar uma ameaça de retaliação por parte do possível futuro integrante da corte.

No caso de Toffoli, como foi dito, a apresentação esteve irrepreensível. Não deixou nenhuma pergunta sem resposta. Mas valeu palavra dele que não foi posta a teste. Os "ataques" de alguns senadores foram só para marcar posição.

Na próxima vez em que um ministro da Suprema Corte dos Estados Unidos for indicado, recomenda-se o acompanhamento da sabatina. Mas é preciso paciência, porque às vezes leva meses. Não é como aqui, na base da fidalguia e da fatura liquidada em poucas horas.

Se essa é a forma mais correta de se aprovar o nome de um dos 11 guardiães da Constituição, cujas decisões representam a última palavra, perdão leitores. O Brasil merece, e pode, mais.

A propósito

Se por algum motivo a Justiça houvesse imposto ao Estado a censura para assuntos de educação, o jornal não poderia noticiar (e evitar) a fraude nas provas do Enem