Título: Lula fica entre BC, Fazenda e eleições
Autor: Abreu, Beatriz
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/10/2009, Economia, p. B1

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderá arbitrar a nova crise entre o Ministério da Fazenda e o Banco Central (BC) para uniformizar o discurso e fortalecer a defesa da política fiscal do governo. Não se trata, apenas, de aparar arestas na forma como o BC está explicando ao mercado o impacto na inflação das decisões de aumento de gastos e desonerações, mas evitar que o descontrole sirva de bandeira eleitoral à oposição.

A Fazenda se ressente do fato de que o BC, na defesa de um discurso de reforço de sua credibilidade em meio ao ambiente eleitoral, fragiliza a posição do governo. "Não há uma crítica à decisão do Banco Central, mas como se construiu a justificativa para os impactos dos gastos na inflação", comentou uma fonte ouvida pela Agência Estado. O centro da polêmica é o relatório de inflação, divulgado sexta-feira passada, que avalia as medidas fiscais e afirma que a expansão de gastos e as desonerações tiveram impacto na inflação, elevando a projeção de 3,9% para 4,4% em 2010.

"Quando o relatório de inflação diz que a política fiscal do governo é insustentável e o Banco Central tem de tomar medidas, é um argumento contra a gente", resumiu a fonte. A medida, no caso, seria aumentar as taxas de juros, instrumento que o BC utiliza para manter a inflação na meta. O presidente do BC, Henrique Meirelles, já comentou que a projeção da inflação está na meta e não há indicação de aumento dos juros. Mas isso não foi suficiente como argumento de defesa da política fiscal, na avaliação da Fazenda.

O pano de fundo é a campanha eleitoral e o temor de que não apenas o mercado financeiro, mas a oposição se posicione e passe a atacar o governo em um momento de vulnerabilidade fiscal. "É preciso defender a política fiscal do governo", afirmou um integrante da equipe do ministro Guido Mantega. O ministro, que está em Istambul para a reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI), referendou as declarações do secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa, e manteve o mesmo tom das críticas ao BC.

Mantega disse que "alguns analistas" estão examinando a questão fiscal de "forma equivocada, com intenções espúrias". De Copenhague, Meirelles reagiu: "Não sou o alvo". Como Meirelles também estará em Istambul, as assessorias tentam agendar uma conversa entre os dois antes da discussão do problema com Lula.

A fragilidade fiscal do governo é um dado que ninguém contesta, e tem uma das origens na queda de arrecadação, que não reagiu no tempo e na intensidade esperada pelo governo. O caixa está praticamente zerado e o governo recorre a uma engenharia financeira para sustentar o superávit primário (economia para pagar juros) deste ano em 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB), embora reivindique ao Congresso a redução para 1,56%.