Título: A falta de uma lei de imprensa
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Fonte: O Estado de São Paulo, 08/10/2009, Notas e informações, p. A3

Quando o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a revogação total da Lei de Imprensa, em abril de 2009, sob a alegação de que ela cerceava a liberdade dos órgãos de comunicação, por ter sido imposta pelo regime militar, quatro ministros tiveram o bom senso de lembrar que o Congresso deveria legislar urgentemente sobre a matéria, para evitar que o vácuo jurídico causado pela decisão acarretasse problemas para o exercício do direito à opinião e à expressão. Para esses ministros, como o Código Civil é omisso em questões relativas a direito de resposta e pedidos de indenização, juízes singulares poderiam acabar autorizando a censura prévia, vedada pela Constituição.

"A quem interessa o vácuo normativo? A Lei de Imprensa estava em vigor há 42 anos, dos quais 20 no período da atual Constituição Federal", disse, na ocasião, o ministro Marco Aurélio Mello. "Não se pode entregar a qualquer juiz ou tribunal a construção jurisprudencial do que é direito de resposta", afirmaram os ministros Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie. O mesmo temor também foi expresso pelo então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, pela Associação Nacional dos Jornais e pela Federação Nacional dos Jornalistas. Todos se manifestaram favoráveis à revogação parcial da Lei de Imprensa, com a supressão de resquícios antidemocráticos e a manutenção dos demais dispositivos, sobre os quais já havia entendimento pacífico nos tribunais.

Sete meses após o julgamento, a censura que vem sendo imposta desde o dia 30 de julho ao jornal O Estado de S. Paulo por decisão do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que proibiu a publicação de qualquer reportagem sobre a Operação Boi Barrica - a pedido do empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney -, confirma, de maneira desastrosa para o exercício das liberdades democráticas, o acerto dos ministros que defenderam a revogação apenas parcial da Lei de Imprensa. O vácuo legal facilita a adoção de medidas como a adotada pelo desembargador Dácio Vieira. Como Vieira é sabidamente vinculado à família Sarney, a Corte o afastou. Manteve, no entanto, a censura prévia e remeteu o processo para a primeira instância da Justiça Federal no Maranhão.

"Esse episódio causa perplexidades. Qual é a regra que disciplina o tribunal competente para julgar o caso? É o local do dano? O local de publicação das notícias? Em suma, são perplexidades que não existiam diante do quadro anterior, quando havia uma lei regulando a matéria", disse o ministro Gilmar Mendes em conferência pronunciada no seminário "Mídia e Liberdade de Expressão", organizado pela TV Globo. "Não aprendi na faculdade aquilo que venho assistindo nos julgamentos do caso Sarney. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, por um lado, afirma sua incompetência absoluta, mas, por outro, mantém a censura e ainda manda deslocar os autos da mordaça para o Maranhão", diz o advogado do Estado, Manuel Alceu Affonso Ferreira.

Para o presidente do STF e para os advogados especializados em direito de comunicação, enquanto o Congresso não aprovar "normas de organização e procedimento" para suprir o vácuo jurídico deixado pelo fim da Lei de Imprensa, a liberdade dos jornais, revistas, rádios e televisões estará em risco. A exemplo do que está ocorrendo com o Estado, outros órgãos de comunicação também já foram proibidos, por juízes de primeira e segunda instâncias, de publicar reportagens sobre determinadas pessoas. "O setor está sem parâmetros. Temas específicos para o exercício do direito à opinião e à expressão reclamam uma nova disciplina legislativa", afirma Mendes, cobrando providências urgentes do Congresso. A mesma opinião foi apresentada pelo ministro Ayres Britto, ao condenar a censura que tem sido imposta à imprensa por determinações judiciais, em palestra pronunciada no Encontro Nacional de Procuradores Municipais.

Vários integrantes do STF já afirmaram que, quando o caso chegar à Corte, votarão contra essas determinações, por considerá-las inconstitucionais. Esse problema poderia ter sido evitado se o Congresso tivesse, no tempo adequado, dotado o País de uma Lei de Imprensa compatível com o Estado Democrático de Direito.