Título: Câmara adia votação da PEC dos cartórios
Autor: Lopes, Eugênia
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/10/2009, Nacional, p. A6
Manobra foi comandada pelo próprio presidente da Casa, Michel Temer, que teme desgaste pela efetivação de dirigentes de cartório sem concurso
Preocupado com a repercussão negativa da aprovação de mais um "trem da alegria" pela Câmara, o presidente da Casa, Michel Temer (PMDB-SP), comandou ontem pessoalmente o adiamento da votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 471, que garante a efetivação de dirigentes de cartórios admitidos entre 1988 e 1994 sem concurso. A chamada PEC dos cartórios dará estabilidade para cerca de 5 mil tabeliães hoje interinos no cargo.
"Estou brigando há dois anos contra essa PEC dos cartórios. A Constituinte estabeleceu o princípio do concurso público e os Tribunais de Justiça não realizaram esses concursos. O Congresso não pode pagar esse desgaste", afirmou o deputado José Genoino (PT-SP), um dos opositores da proposta.
"O texto que está aí é abrangente demais e desgasta o Congresso", disse o líder do DEM, deputado Ronaldo Caiado (GO), que até a semana passada era favorável à iniciativa. "Essa emenda é um escândalo", reiterou o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP).
Cotado para vice na chapa presidencial da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), Temer não quis sofrer o desgaste de comandar a aprovação de uma proposta apontada como "imoral" e atuou em conjunto com o governo para adiar sua votação. A estratégia é engavetar o texto, deixando-o de lado.
A interlocutores, Temer disse que é contra a emenda, que, em sua avaliação, será considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A pressão contra a iniciativa cresceu após as declarações do presidente do Supremo, Gilmar Mendes, que a considerou uma "gambiarra jurídica".
Uma reunião feita às pressas no início da noite de ontem com todos os líderes partidários decidiu pela não-votação da PEC 471. Com a repercussão negativa na opinião pública e no Judiciário, a proposta enfrenta dificuldades de aprovação na Câmara. São necessários 308 do total de 513 votos para que a ela seja aprovada, em dois turnos de votação. "Existem opiniões diferentes sobre essa emenda e há insegurança sobre o texto", observou o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), ao anunciar a não-votação da proposta.
Diante da pressão, líderes partidários que na semana passada estavam a favor da PEC mudaram de opinião. "Não tem como votarmos o texto com essa abrangência. Temos de restringir ao período de 1988 a 1994, quando houve total ausência de legislação", alegou Caiado.
Defensores da emenda tentaram fechar acordo que restringiria a efetivação dos tabeliães interinos a quem ocupava o cargo entre 1988 e 1994. O atual texto beneficiaria quem estava interino nos cinco anos anteriores à promulgação da emenda. "Do jeito que está, essa PEC é um trem da alegria, porque pega todo mundo até 2004", disse o deputado Silvio Costa (PTB-PE).
Até 1988, os cartórios eram transmitidos por hereditariedade. A Constituição tornou obrigatório concurso público para tabeliães e acabou com a figura dos substitutos. A regra, porém, só foi regulamentada em 1994 e, agora, estima-se que cerca de 5 mil responsáveis por cartórios continuam beneficiados pelo vácuo jurídico de 1988 a 1994.
INCORPORAÇÃO APROVADA
Ontem, a Câmara aprovou, em segundo turno, a PEC que transfere 12 mil servidores municipais e estaduais de Rondônia para folha de pagamentos da União, com aumento anual de gastos de R$ 180 milhões. Como o texto foi modificado pelos deputados, a emenda voltará ao Senado para votação. A PEC permite a incorporação de policiais militares e servidores do ex-território que exerciam seus cargos em 1981, quando Rondônia foi transformada em Estado.