Título: Produtores de petróleo cogitam trocar dólar por outras moedas
Autor: Chacra, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/10/2009, Economia, p. B9

Notícia do ""The Independent"" foi questionada, mas mexeu com mercado financeiro em vários países

CORRESPONDENTE, NOVA YORK

O ouro atingiu ontem um preço recorde, acima de US$ 1.040 a onça, tanto no mercado à vista quanto no futuro. Investidores acumulam o metal para preservar o valor de ativos denominados em dólar, em meio ao enfraquecimento da moeda americana e a temores de inflação.

Também contribuíram fatores como boatos sobre a intenção de países produtores de petróleo de trocar o dólar por outra moeda. "Em um ambiente onde os juros são virtualmente zero, o custo adicional de mudar para o ouro é nenhum. Isso dá razão para investidores considerarem o ouro mais desejável", disse Jack Ablin, diretor do Banco Harris, em Chicago.

O ouro no mercado à vista atingiu o preço recorde de US$ 1.043,45 a onça, mas acabou fechando em alta de 1,9%, valendo US$ 1.036,10. O recorde anterior, de março de 2008, era US$ 1.030,80. Nos Estados Unidos, o contrato futuro para dezembro, o mais ativo, atingiu US$ 1.045 a onça, fechando em US$ 1.039,70, alta de 2,2%.

O corrida começou depois de o jornal britânico The Independent noticiar que países do Golfo e outros países estão em discussões secretas para não mais negociar petróleo na moeda americana. Países árabes, China, Rússia, França e Brasil planejam substituir o dólar nos contratos de petróleo por uma cesta de moedas composta pelo iene, euro, yuan e uma divisa comum a ser criada pelos Estados do Golfo Pérsico.

"Encontros secretos ocorreram entre ministros das finanças e presidentes de bancos centrais de Rússia, China, Japão e Brasil para trabalhar no esquema que fará como que o petróleo não tenha mais o preço em dólares", em um processo de quase uma década, diz o jornal.

"Os americanos, que estão a par dos encontros - apesar de não terem descoberto os detalhes - devem enfrentar essa aliança internacional, que inclui aliados leais como o Japão e países árabes do golfo", acrescenta o diário, especulando, ainda, sobre um conflito entre EUA e China sobre o petróleo.

A cúpula financeira da Arábia Saudita se apressou em desmentir a reportagem. Em declarações ao Estado, o vice-presidente do Banco Central da Arábia Saudita, Mohamed Al-Jasser, garantiu que a história é "pura invenção". "Não há nenhum fato verdadeiro nessa história", disse. Ele insistiu que hoje não vê substituto claro para o dólar, nem nos Direitos Especiais de Saque do Fundo Monetário Internacional (FMI).

"Nunca escutamos ou discutimos isso, nem secretamente", disse ao Wall Street Journal o ministro do petróleo do Qatar, Abdullah Bin Hamad AL Attiyah. "Não sabemos de nenhuma dessas discussões", acrescentou o ministro das Finanças do Kuwait, Mustafa Al Shamali.

Analistas também descartavam que esses encontros estejam ocorrendo, lembrando que alguns países árabes têm as suas moedas indexadas ao dólar. O enfraquecimento da divisa americana teria repercussões em reservas internacionais de muitos países, incluindo o Brasil. Outros, como a China, investem em títulos do tesouro americano. E Abu Dabi, capital dos Emirados Árabes, assim como seus vizinhos, possui um fundo soberano com investimentos bilionários nos EUA.

John Van Schaik, diretor da consultoria de Energy Intelligence, em Nova York, afirmou ao Estado que a ideia sugerida na reportagem não é nova. "Com o déficit fiscal e comercial dos EUA, faz sentido buscar saídas em outras moedas, mas o dólar continuaria presente na cesta".

Após o desmentido, o dólar se recuperou no fim do dia, fechou estável em relação ao euro e à libra, mas perdeu 0,7% ante o iene. O petróleo fechou em US$ 71,23, com alta de 1,16%. O ouro se valorizou 2,47%.

COLABOROU JAMIL CHADE, DE GENEBRA