Título: Mendes denuncia gambiarra em PEC dos cartórios
Autor: Lopes, Eugênia; Galluci, Mariângela
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/10/2009, Nacional, p. A4

Pronta para votar, emenda que garante efetivação dos escrivães sem concurso público divide os deputados

BRASÍLIA

Às vésperas da votação na Câmara de emenda à Constituição que garante a efetivação dos dirigentes de cartório admitidos entre 1988 e 1994 sem concurso público, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, classificou ontem a iniciativa de "uma gambiarra".

Pronta para ser votada pelo plenário da Câmara, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 471 divide as opiniões dos deputados e foi alvo ontem de um acirrado debate, na Comissão de Direitos Humanos, entre representantes de entidades favoráveis e contrárias ao projeto.

Mendes lembrou que se passar pelo Congresso será a terceira vez, em 30 anos, que o Brasil efetiva titulares de cartórios.

"Isso é um arranjo, um arremedo, uma gambiarra. O Brasil precisa encerrar essa mania de ficar improvisando. Vamos fazer as coisas da forma adequada", criticou Mendes, que também é presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). "Alguém tem dúvida de que é necessário fazer o concurso público? Não, nenhuma dúvida a propósito disso. De que é republicano, condizente com o princípio da igualdade? A própria Constituição preconizava que os concursos fossem realizados."

Até 1988, os cartórios eram transmitidos por hereditariedade. A Constituição tornou obrigatório o concurso público para tabeliães e acabou com a figura dos substitutos. A regra, no entanto, só foi regulamentada em 1994 e a estimativa é de que cerca de 5 mil responsáveis por cartórios continuam beneficiados pelo vácuo jurídico de seis anos (entre 1988 e 1994). É esse grupo de pessoas que será beneficiado com a emenda.

Um dos defensores da proposta é o ex-ministro do Supremo Sepúlveda Pertence, que foi contratado para dar parecer favorável à emenda. "Estou convicto da constitucionalidade da PEC 471", disse Pertence, que fez a apresentação de seu parecer e foi embora sem debater.

"Ele falou como advogado. Eu falei institucionalmente", afirmou Gilson Dipp, corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), contrário à emenda. "Ele foi contratado pela Associação dos Registradores Civis do Brasil e por isso defendeu essa tese", completou Humberto Monteiro da Costa, presidente da Associação Nacional em Defesa dos Concursos para Cartório (Andecc).

EXEMPLO

A maioria dos oito palestrantes manifestou-se contra a proposta. Um dos poucos favoráveis foi o representante da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), Israel Guerra. Para defender a PEC 471, Guerra argumentou que o recém-eleito ministro do Supremo José Antonio Dias Toffoli foi reprovado em dois concursos para juiz e mesmo assim acabou indo para o STF. "Nem sempre o concurso público mede o saber jurídico. Há dias, o Senado aprovou o ministro Toffoli, que não entrou no serviço público", afirmou Guerra.

Apenas meia dúzia de deputados apareceu para participar do debate. Todos a favor da aprovação da emenda. "A atividade cartorial é de natureza privada e delegada pelo Estado. É uma prestação de serviço, que é remunerada pelo serviço prestado com valores estabelecidos pelo poder público. Aqui não se trata de cargo público", argumentou o deputado João Campos (PSDB-GO), autor da iniciativa. "Essa proposta vai corrigir uma omissão do Estado que levou seis anos para regulamentar um artigo da Constituição", disse o relator, João Matos (PMDB-SC).

O debate ontem na Comissão de Direitos Humanos da Câmara mais parecia um programa de auditório, com uma plateia de cerca de 200 pessoas ora aplaudindo ora vaiando os palestrantes. Os favoráveis à emenda amarraram lenços amarelos e verdes no pescoço e gritavam palavras de ordem, como "justiça". Já os contrários à proposta trajavam camisetas brancas, defendendo o concurso público para ocupar a titularidade nos cartórios. "Estou estudando há seis anos para o concurso, já passei em quatro Estados e até hoje não consegui tomar posse em nenhum deles", reclamou a manifestante Fernanda Wissel.

FRASES

Gilmar Mendes Presidente do Supremo

"Isso é um arranjo, um arremedo, uma gambiarra. O Brasil precisa encerrar essa mania de ficar improvisando. Vamos fazer as coisas da forma adequada"

"Alguém tem dúvida de que é necessário fazer o concurso público? Não, nenhuma dúvida a propósito disso. De que é republicano, condizente com o princípio da igualdade?"

"A própria Constituição preconizava que os concursos fossem realizados"

Sepúlveda Pertence Ex-ministro do STF

"Estou convicto da constitucionalidade da PEC 471"

Israel Guerra Representante da Anoreg

"Nem sempre o concurso público mede o saber jurídico. Há dias, o Senado aprovou o ministro Toffoli, que não entrou no serviço público"