Título: Para tolher o TCU
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2009, Notas e informações, p. A3

A aversão do governo Lula - e do presidente da República em primeiro lugar - ao controle institucional dos dispêndios públicos em obras de infraestrutura vinha se traduzindo, sobretudo, nas reiteradas investidas contra o Tribunal de Contas da União (TCU), acusado de recomendar ao Congresso a interrupção de empreendimentos de grande porte e reconhecida urgência por o que seriam, afinal, questões de somenos, pecadilhos formais que poderiam ser corrigidos enquanto os trabalhos (e os desembolsos) prosseguissem. Na semana passada, por exemplo, depois que o TCU recomendou a paralisação de 41 obras, das quais 13 incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mediante o bloqueio das respectivas verbas, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, encabeçou um coro de ásperas críticas à atuação do colegiado, como se este tivesse uma perversa propensão a travar o progresso nacional ou estivesse a serviço da oposição.

Não se trata, evidentemente, nem de uma coisa nem de outra. Para se ter ideia do que se trata, na realidade, a auditoria deste ano em 219 obras da administração federal direta e indireta revelou irregularidades em nada menos de 184. Mas, em vez de admitir que os problemas existem, se concentrar em saneá-los e prevenir a sua repetição em novos empreendimentos, por respeito elementar às leis e ao contribuinte que os sustenta, o governo resolveu lançar uma operação de grande porte visando ao desmanche do sistema de fiscalização que o perturba incomparavelmente mais do que os malfeitos apurados. Conforme noticiou este jornal na sua edição de ontem, o Planalto decidiu mobilizar empresários, sindicalistas, governadores, prefeitos, parlamentares e membros do Ministério Público - além de procurar o próprio TCU - para "flexibilizar" os critérios de aferição de licitações e contratos, bem como para a concessão do licenciamento ambiental, das obras do pré-sal, da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016, os três grandes eixos do ciclo de investimentos dos próximos anos.

Para bom entendedor, o termo flexibilizar é mais do que bastante. Deixa claro o intento do presidente Lula de subordinar aos seus interesses as normas gerais que se aplicam aos empreendimentos do Estado executados pela iniciativa privada, fragmentando-as de acordo com a destinação das obras - as quais ficariam praticamente a salvo de paralisações. Ninguém ignora que Lula está obcecado em remover seja lá o que possa atrapalhar a sua ambição de desfilar na campanha eleitoral do próximo ano como o mais realizador dos presidentes brasileiros, para fazer da ministra Dilma Rousseff a sua sucessora. Nos planos do governo, o esquema de "regras próprias" para cada um dos três setores citados - antecipado pelo novo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha - condicionaria a atuação do TCU e do Ministério Público. Os parâmetros de controle válidos em uma circunstância poderão não se aplicar a outra. Seria, em última análise, um indecente casuísmo.

A operação deverá ser desencadeada na próxima reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, quando os seus integrantes serão instados a apresentar sugestões para assegurar a continuidade das obras. Numa segunda frente, o governo quer apressar a regulamentação do artigo 23 da Constituição, que trata da competência dos três níveis de governo na proteção ao meio ambiente. "Hoje", diz Padilha, "muitas obras são paralisadas porque o Ministério Público exige a participação do Ibama em algo que deveria ser decidido pelo município ou pelo Estado." Outro alvo do Planalto é a Lei de Licitações. "Não conheço nenhum brasileiro que não queira mudá-la", disse Lula numa reunião com empresários, meses atrás. Pode ser. Mas o que ele quer são mudanças para facilitar as compras de bens ou a contratação de serviços pelo setor estatal - não para dar mais lisura aos negócios.

Esse é o ponto. O governo procura fazer crer que as leis que regulam os seus negócios são impossíveis de ser cumpridas e estão na contramão do progresso. A alegação não se sustenta. O problema está na desídia dos agentes públicos e da sem-cerimônia com o dinheiro alheio, enquanto a busca da eficiência é pretexto para se livrar de controles. A neutralização do TCU nos empreendimentos do pré-sal, Copa e Olimpíada se encaixa rigorosamente nessa jogada.