Título: Dólar, um teste para o G-20
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2009, Notas e informações, p. A3

O dólar fraco, um problema para a maior parte do mundo, põe à prova a capacidade de cooperação das principais potências do G-20. Há duas semanas, em Pittsburgh, chefes de governo das maiores economias avançadas e emergentes prometeram coordenar suas políticas, para promover o retorno ao crescimento, depois da maior crise financeira desde os anos 30. Até esse momento, a convergência das políticas havia ocorrido sem maiores dificuldades. Todos os governos haviam adotado medidas fiscais para estimular o consumo e os bancos centrais haviam cortado juros e emitido dinheiro para ampliar o crédito. Além disso, tinha havido grandes operações de salvamento de bancos e de indústrias em várias economias. Mas o pior havia passado e uma nova pauta foi posta sobre a mesa na reunião de cúpula em setembro.

Parte da nova agenda parecia fácil: manter os estímulos até surgirem sinais de recuperação firme. Mas a coordenação, para ser completa, deveria envolver decisões sobre comércio e câmbio. Aí as palavras se revelaram muito mais fortes do que as ações, porque os interesses imediatos, desta vez, são divergentes. Para os americanos, é prioritário exportar mais e importar menos.

As autoridades ocidentais estavam acostumadas a pressionar o governo chinês para deixar valorizar-se o yuan. Quando foi emitido o comunicado oficial do G-20, em 25 de setembro, a primeira interpretação pareceu fácil: o apelo à coordenação era mais um recado dirigido à China. Mas o problema cambial era de fato mais complicado e envolvia mais que a subvalorização da moeda chinesa.

O dólar atingiu nos últimos dias o seu nível mais baixo, em 14 meses, em relação às moedas dos seis principais parceiros comerciais dos EUA. Desde o começo de março, a moeda americana caiu 15% em relação ao euro e 11% em relação ao iene e não há sinais de estabilização a curto prazo.

Desde a reunião de cúpula do G-20, autoridades financeiras das economias mais avançadas intensificaram as pressões sobre o governo americano para defender o dólar. O secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, prometeu mais de uma vez atender aos interesses da comunidade internacional. A última resposta pública foi dada em Istambul, depois de uma reunião de ministros de Finanças do grupo das sete maiores potências capitalistas (G-7), durante a assembleia anual do FMI. "É importante para os EUA", disse Geithner, "continuarmos a ter um dólar forte."

Declarações desse tipo foram feitas seriamente e com efeitos práticos no governo do presidente Ronald Reagan, no começo dos anos 80. Foram repetidas, com menores efeitos, nas administrações seguintes. Agora, as frases de Geithner são recebidas com claras manifestações de ceticismo por analistas privados. Autoridades estrangeiras não podem simplesmente pôr em dúvida, em público, as palavras do secretário americano. Mas não deixam de insistir na urgência de uma solução. O presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, voltou a alertar, nessa quarta-feira, para os perigos criados pela instabilidade cambial, mas fez uma referência diplomática ao espírito de cooperação entre as potências dos dois lados do Atlântico Norte.

Mas os ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais não podem fazer muito mais do que reclamar e pressionar. A curto prazo, não há uma alternativa séria para o dólar como ativo de reserva internacional - embora a participação do dólar no total de reservas mantidas em todo o mundo tenha diminuído de 65% para 62,8% no primeiro trimestre.

Enquanto isso, os produtores americanos colhem os benefícios da moeda depreciada. Entre abril e julho o valor mensal das exportações aumentou 5,8%, de US$ 120,6 bilhões para US$ 127,6 bilhões. Por que o governo americano se esforçaria para defender sua moeda? Como não há ameaça iminente de inflação, o Fed mantém os juros básicos entre zero e 0,25%. É um bom estímulo para os investidores buscarem aplicações mais lucrativas em outros mercados, valorizando outras moedas, incluído o real, além do ouro e do petróleo. A redução do déficit fiscal americano só ocorrerá ao longo de vários anos e essa perspectiva também contribui para depreciar o dólar. Por enquanto, o problema é só dos outros.